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O acidente é inevitável, o carro escolhe quem vai matar. Pode repetir?

27 out, 2017 - 13:44 • Teresa Abecasis

Os carros autónomos e a inteligência artificial colocam novos dilemas éticos. Os humanos sabem tomar decisões – certas ou erradas. E as máquinas? Pedro Domingos, referência mundial no sector, diz que é preciso dar-lhes capacidade para fazerem o mesmo.

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Um carro sem condutor circula a alta velocidade e tem dois caminhos à frente, ambos vão resultar num acidente: num lado, mata dois idosos; no outro, mata uma mãe e um bebé. Para onde deve ir? Pode o carro decidir quem mata?

Na origem destas perguntas está o "trolley problem" ("dilema do eléctrico", numa tradução livre), um dilema concebido em 1967 e que tem servido para inúmeros estudos sobre a moral e a ética. Só que, com a evolução dos carros autónomos, uma questão que era apenas teórica e filosófica passará a ser um problema real.

A premissa de origem é esta: um carro autónomo desliza em direcção a um acidente inevitável, correndo o risco de atropelar várias pessoas. O entrevistado é colocado no papel de transeunte com possibilidade de influenciar o desfecho. Num primeiro cenário, tem a hipótese de puxar um manípulo que vai mudar a direcção da carruagem e atropelar apenas uma pessoa na via alternativa.

Depois, os cenários vão sofrendo ligeiras alterações para determinar em que situações é que o entrevistado está disposto a intervir no acidente. Por exemplo, se ele tiver de empurrar uma pessoa para a linha de maneira a antecipar o acidente e salvar mais vidas, está disposto a isso? E quando a alternativa está entre matar quatro pessoas idosas ou quatro adolescentes? E entre homens e mulheres? Ladrões ou professores? Como decidir quem matar?

As questões são infinitas e muito dificilmente se colocariam na vida real. Mas quando um carro for dotado de inteligência suficiente para conseguir antecipar o que vai acontecer, através de câmaras, satélites, ligação a bases de dados, comunicações com outros carros, entre outros avanços técnicos, como vai decidir o que fazer em caso de acidente inevitável?

A diferença está na "inteligência"

O Massachusetts Institute of Tecnhology (MIT) criou uma página com uma "máquina de moral" e convida os internautas a responderem a estas perguntas. No fim de 13 perguntas, é possível comparar as respostas com as dos outros utilizadores e ver para onde pende a moral de cada um.

Decidir quem vive ou quem morre são questões a que a sociedade vai ter de saber responder, defende Pedro Domingos, professor de Ciências da Computação na Universidade de Washington e um dos nomes mais importantes na área da inteligência artificial a nível mundial. O seu livro "A Revolução do Algoritmo Mestre", publicado recentemente em Portugal, foi considerado por Bill Gates uma leitura obrigatória.

Na opinião deste especialista, existem, para já, dois caminhos: o carro aprende o comportamento do condutor, e tenta manter o comportamento aprendido, ou são escritas leis que estabelecem o que fazer em determinadas situações.

Mas é então possível e desejável programar uma resposta para estas situações? Programar quem salvar ou matar? No limite, deixa de haver acasos, mas escolhas deliberadas.

Pedro Domingos sublinha que não se pode, nem se quer, programar tudo: "um ser humano também não tem todas as situações programadas. É precisamente nessa capacidade de resolver novos problemas e de lidar com novas situações que reside a nossa inteligência. O que nós queremos fazer é dar aos computadores essas mesmas capacidades mais gerais de raciocínio e de tomada de decisão. Isso é que é a inteligência artificial."

O professor dá como exemplo os carros da marca Tesla que conduzem sozinhos e que já são uma realidade, embora minoritária, nos Estados Unidos. Os carros aprendem o comportamento do condutor e passam a ser "extensões" dele.

Os primeiros a desaparecer: camionistas

"A parte mais difícil para os carros sem condutor é lidar com os condutores humanos", explica Pedro Domingos. E acrescenta um cenário para já difícil de imaginar: "se os condutores humanos e os peões fossem proibidos, o problema era fácil [de resolver]".

Para o especialista, a dificuldade está na transição para uma sociedade sem condutores humanos, o que implica um reordenamento das cidades tal como o que houve até agora para incluir os carros.

Um cenário utópico? "A nível experimental, já há, nos Estados Unidos, pequenas cidades modelo só para os carros sem condutor.” O professor não arrisca um prazo para estas mudança no paradigma – "os progressos científicos não são lineares" –, mas diz que se trata de uma questão de "anos" e não de "décadas".

Os carros sem condutor, conclui, poderão entrar na nossa vida de forma faseada: "há aspectos que são mais fáceis e que já existem ou vão existir dentro de pouco tempo. Por exemplo, guiar um carro na auto-estrada é muito mais fácil do que guiar na cidade. Um condutor de camionetas provavelmente vai perder o seu emprego muito mais cedo do que o taxista."

Uma questão que abre o já longo debate entre a tecnologia e o emprego: vai a inteligência artificial acabar com milhões de postos de trabalho? Um inquérito feito aos principais investidores presentes na Web Summit do ano passado, em Lisboa, revelou que a maior parte deles (93%) considerava que sim.

Pedro Domingos socorre-se da história para responder: "Vai continuar a haver muitas coisas que os seres humanos fazem melhor. Se nós olharmos para a história da tecnologia até hoje, tem sido sempre isso que se passa. Hoje em dia há mais empregos a nível mundial do que alguma vez houve".

Comentários
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  • Horacio
    21 nov, 2017 iLisboa 04:29
    Isto é uma péssima ideia do ponto de vista do desemprego que vai criar . Pensem na quantidade de pessoas que dependem de empregos onde conduzir e essêncial .taxistas, motoristas de autocarros , camioneiros ,e vários outros . E também a indústria dos seguros será afetada. Como cobrar o seguro se não há condutor .que será responsável em caso de acidente ?.pra que tirar a carteira de condução ?. Quanta gente das auto escolas vai perder o emprego. Estes carros conserteza vão andar sempre no limite de velocidade certo. Então para que ter tanta polícia de trânsito . E sem as multas de trânsito para cobrar menos gente a trabalhar neste setor. Acordem ou lutam contra estas tecnologias que visam exclusivamente minimizar os trabalhadores e aumentar o lucro das empresas ou ficam todos obsoletos . Estas tecnologias competem com o trabalhador muito mais que qualquer operário na China ou no terceiro mundo . Aliás até no terceiro mundo vão criar desemprego.
  • tio
    08 nov, 2017 lx 16:27
    Carros ligeiros e pesados sem condutores, pessoal a ser substituído por maquinas nas fabricas, vamos ficar sob a ordem de equipamentos electrónicos, é lógico que isto vai dar bronca e grossa deixem passar o tempo e quem agora defende a IA vai torcer o nariz, pensem bem no que estão a fazer, lembrem-se da revolução industrial, trouxe coisas boas mas também más. Sem trabalho e sem dinheiro o humano compra o quê?
  • Cristiano Premebida
    27 out, 2017 Coimbra 22:49
    Quem percebe de condução autónoma tem de inevitavelmente saber algo de Machine Learning porque a parte de controlo e localização estão razoavelmente consolidadas; já a componente de perception e cognition estão longe da maturidade. Estas últimas dependem imenso de algorithms AI/ML.
  • André
    27 out, 2017 Lisboa 20:39
    Esse dilema tem uma falha: supõem que o humano já sabe o desfecho, cortando qualquer outra possibilidade de solução do dilema. Para uma máquina, ao chegar ao cruzamento, o carro vai espetar-se contra o separador. É a opção lógica para não enfrentar os 2 lados e onde existe maior probabilidade de salvar toda a gente, incluindo os passageiros do automóvel. Algo que o dilema não permite... a máquina irá escolher, pela simples regra da probabilidade presente. Acontece o mesmo numa passadeira. Se o sistema detecta alguém a aproximar-se da passadeira a correr, o carro vai travar e só arranca quando não existir ninguém dentro do espaço envolvente. Enquanto que um humano pensa se dá tempo de passar a passadeira antes do peão lá chegar, enquanto outro humano trava e espera que o peão passa, tal como dizem as regras de trânsito.
  • José Seco
    27 out, 2017 Lisboa 20:35
    O Homem come aos poucos o próprio chão que deveria preservar. A ganância é tanta mas tanta que cega definitivamente! Não dou mais de 300 anos para ser extinta definitivamente a vida na Terra.
  • Jorge
    27 out, 2017 Lisboa 19:31
    Nenhum objecto nem ninguém determina quando uma pessoa morre tanto faz ser de carro ou doutra forma qualquer porque se não fosse daquela forma era doutra.
  • Um gajo normal
    27 out, 2017 LX 14:59
    Então que ganhe por "roleta russa". Isto é, se é inevitável morrer pelo menos um, que morra o que tem menos sorte. Implemente-se um algoritmo aleatório que atribua a "má sorte" aquele que, de facto, é o menos sortudo. É macabro, sim, mas é a lei do caos...

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