28 out, 2017 - 17:26 • Maria João Costa
Manuel Alegre tem acompanhado a situação de Espanha pela televisão espanhola, mais do que pelos canais portugueses. Em Óbidos, onde esteve como um dos conferencistas do Festival Folio, o histórico socialista defendeu que “se a Catalunha fosse independente tinha tanto direito a estar na Europa, como qualquer outro” e recordou casos como os do Kosovo.
Numa entrevista conduzida pelo jornalista João Gobern, Alegre apressou-se a dizer que não defende a independência da Catalunha. Recordando a sua memória da guerra civil espanhola, o poeta afirmou: “Acho que o que seria bom para Espanha, era a criação de um Estado Federal.”
Perante uma plateia cheia no auditório da Praça da Criatividade na vila literária de Óbidos, Alegre considerou que todo o processo catalão “está a ser mal conduzido” e apontou baterias quer a Carlos Puigmonte, quer a Mariano Rajoy a quem acusou de ter ainda “uma certa herança franquista”.
Para o antigo deputado da bancada socialista “não houve diálogo e bom senso” em toda a questão. Na sua opinião, o presidente do governo catalão “deveria ter dissolvido o parlamento regional e convocado eleições antecipadas”.
Manuel Alegre, que chegou atrasado 30 minutos à conferência, falou também sobre a arte da escrita. Perante os tempos adversos, Alegre defende que “é outra vez o tempo dos filósofos e dos poetas”. O escritor que disse continuar a acreditar “na força da palavra poética” considera que “é de novo preciso a força subversiva da poesia” perante os “poderes estabelecidos”.
Só escrevo poesia quando o poema se impõe
Questionado sobre a literatura e em particular a poesia que hoje é ensinada nas escolas, Manuel Alegre defendeu “uma revolução pedagógica” em que “Camões deveria ser obrigatório”, assim como outros autores. Mas riu-se concluindo que até não se pode “queixar” porque a sua obra até está em “alguns planos de leitura”.
Para o poeta, para quem a “escrita e a vida são inseparáveis”, a escrita não é programada, não tem hora para acontecer, “nem na prosa” afirmou. “Passo muito tempo sem escrever. Há uma aparente distracção, mas é quando algo está a germinar dentro de nós.” explicou Alegre sobre o seu processo criativo e concluiu que só escreve poesia “quando o poema se impõe”.
“Na prosa há mais disciplina. Há um trabalho quase cinematográfico de montagem.” descreveu o vencedor do último Prémio Camões. Contudo, Manuel Alegre considera-se “mais poeta que romancista”. Ele que diz que “sempre que escrevo, escrevo com muita intensidade.” explica que no caso da prosa precisa de a por a “levedar”.
Com sentido de humor, questionado por Gobern sobre o Prémio Camões, confessou que quando o júri lhe telefonou disse: “deve estar algum santo para cair do altar”. Depois reconsiderou o que disse ter sido uma “resposta indelicada” e ligou de volta para o júri que estava reunido no Brasil. Alegre, que acha “natural” ter recebido o maior galardão atribuído a escritores de língua portuguesa, admitiu que para si o prémio foi justo, mas não foi só ele a pensar assim. O poeta disse em Óbidos que recebeu “tantas mensagens que o telemóvel até ficou avariado”.