09 nov, 2017 - 17:45 • Redacção com Lusa
O ex-vice-presidente norte-americano Al Gore apelou esta quinta-feira, em Lisboa, a que não se confundam os Estados Unidos com o actual Presidente, Donald Trump, afirmando que no seu país há vontade de continuar a lutar contra as alterações climáticas.
"Vamos cumprir o nosso papel apesar de Donald J. Trump", declarou perante os aplausos de milhares de pessoas reunidas na Altice Arena, no encerramento da conferência tecnológica Web Summit, que começou na segunda-feira.
Gore considerou que houve uma "viragem histórica" com a assinatura do acordo de Paris de 2015 para limitar o aquecimento global, apesar de Trump ter declarado que os Estados Unidos se iriam retirar do compromisso.
O ex-vice-presidente tornado activista e investidor pelo clima afirmou que, pelas regras do acordo, "os Estados Unidos só poderão sair no dia a seguir à eleição presidencial de 2020" e manifestou-se confiante de que a vontade política maioritária no seu país não coincide com a do Presidente.
“Um novo Presidente dos Estados Unidos pode fazer em apenas 30 dias com que o país volte ao Acordo de Paris. Mas, mais importante, é que, no dia a seguir a esse anúncio do Presidente Trump [de saída do acordo] todos os outros países reafirmaram a presença no Acordo de Paris. E, nos Estados Unidos, a Califórnia, Nova Iorque, outros estados, outras cidades e milhares de decisores também disseram que estão com o Acordo de Paris.”´
O discurso de Al Gore em Lisboa surge no mesmo dia em que autarcas, empresas e representantes da sociedade civil dos Estados Unidos apresentaram, na conferência do clima, em Bona, a plataforma "We are still in" ("Ainda estamos") no Acordo de Paris, reflectindo o compromisso contra as alterações climáticas.
“Temos de mudar"
Indicando que energias renováveis como a solar estão a ficar cada vez mais baratas, Al Gore reconheceu que da parte dos sectores do carvão, gás e petróleo há uma vontade de "paralisar" o caminho em direcção às renováveis. "Acumularam durante anos riqueza, poder político e conhecimentos", mas "basta", declarou.
O planeta está à beira da "revolução da sustentabilidade", considerou, acreditando que esta chegará "com a dimensão da revolução industrial e a rapidez da revolução digital".
"Muitos dos que aqui estão já fazem uma diferença enorme", reconheceu, dirigindo-se a uma plateia em que destacou a geração jovem que cria empresas para "fazer bom dinheiro, mas também para fazer avançar o mundo", para o que a tecnologia é uma aliada. Aliás, Al Gore aproveitou a conferência para publicitar as inovações ambientais das empresas em que é investidor.
Para Al Gore, as consequências das alterações climáticas estão à vista de todos: nas chuvas, furacões, incêndios florestais ou secas devastadoras, "como acontece em Portugal ou Espanha", e nas dezenas de milhões que estão à beira da fome ou que tiveram que se deslocar por causa destes fenómenos extremos.
“Todas estas consequências fazem com que a resposta à pergunta ‘temos de mudar?’ seja 'temos de mudar'. Em que é que estão a pensar? Claro que temos de mudar. Não podemos condenar a próxima geração a uma vida de degradação e falta de esperança”, disse.
Gore afirmou querer "recrutar" a audiência de milhares para ser "parte da solução" para travar a "colisão entre a civilização humana e a natureza".
“O meu objectivo não é entreter-vos nem dar-vos a conhecer factos que não conheciam. O meu objectivo é recrutar-vos para fazerem parte da solução para a crise ambiental e ecológica neste planeta. Podemos resolvê-la, temos de resolvê-la e, com a vossa ajuda, vamos conseguir.”
Recordando lutas históricas como as travadas pelo fim da escravatura, pelo direito de voto das mulheres ou dos direitos dos homossexuais, afirmou que, no fim, tudo se resumiu a uma escolha entre "o que está certo e o que está errado".
"Está tudo em jogo", garantiu, admitindo que há "quem caia no desespero porque pensa que não há vontade de mudar" e declarando que "a vontade também é um recurso renovável".
Marcelo contra políticos que "negam a realidade"
Depois da palestra de Al Gore, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, manifestou a sua preocupação com a existência de “demasiados políticos” que “negam a realidade” relativamente às alterações climáticas, salientando que Portugal permanece fiel aos Acordos de Paris. Não disse o nome de Donald Trump, mas o destinatário da crítica estava implícito.
Na sua curta intervenção, o chefe do Estado agradeceu aos participantes na cimeira sobre tecnologia, mas também aos “milhares espalhados pelo mundo” que se dedicam a este tema, a “revolução científica e tecnológica” que estão a protagonizar.
Marcelo Rebelo de Sousa afirmou-se ainda “orgulhoso de Portugal e dos portugueses”, que “está a mudar” aceleradamente. E manifestou o desejo de que, não apenas no próximo ano, mas “nos próximos”, Portugal volte a ser o anfitrião da Web Summit.
Costa reúne-se com Al Gore
A visita de Al Gore a Portugal ofereceu também uma oportunidade para o primeiro-ministro, António Costa, discutir com o antigo vice-presidente dos Estados Unido a forma mais eficaz para Portugal cumprir o seu roteiro para a descarbonização da economia, sobretudo no domínio da mobilidade.
Este foi um dos principais temas que, segundo António Costa, foi abordado no seu encontro com Al Gore, que durou cerca de 30 minutos e que se realizou pouco antes da cerimónia de encerramento da Web Summit.
"É sempre bom ouvir alguém com a experiência de Al Gore sobre a melhor forma de Portugal percorrer o seu caminho ambicioso em matéria de descarbonização da mobilidade e de fomento da mobilidade eléctrica", declarou o líder do executivo, que tinha ao seu lado o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, que também esteve presente na reunião com o antigo vice-presidente dos Estados Unidos.
Perante os jornalistas, António Costa frisou que Portugal "quer incrementar cada vez mais a utilização das energias renováveis, não só ao nível da produção, como também no que respeita à sua utilização".
"Esta área é felizmente uma das que coloca Portugal numa posição de vanguarda. Portugal deve continuar a fazer um esforço para se manter nessa vanguarda, recuperando até algum atraso ao nível da mobilidade eléctrica que os últimos dez anos introduziram", disse.