11 dez, 2017 - 07:14
"A internet foi projectada para adultos, mas é cada vez mais usada por crianças e jovens”. O alerta chega da UNICEF, no dia em que divulga o relatório “Situação Mundial da Infância 2017: as crianças num mundo digital” (The State of the World’s Children 2017: Children in a digital world).
Segundo o documento, um terço dos utilizadores da internet são crianças, mas muito pouco é feito para as proteger dos perigos do mundo digital.
“Correm alguns perigos, sobretudo quando não têm acompanhamento nem estão sensibilizadas para os perigos que a Internet apresenta”, refere na Renascença Beatriz Imperatori, directora-executiva da UNICEF Portugal.
“Não nos podemos esquecer que a internet, quando foi criada, foi como um instrumento para adultos e foi evoluindo livremente, mas hoje em dia há uma grande fatia – quase 30% – dos utilizadores que são crianças”, destaca.
Nesse sentido, afirma, “há que repensar algumas das interacções que são feitas com crianças, a forma como são feitas, a protecção que é dada e a segurança em que as próprias crianças navegam, estão na internet e lá interagem”.
Onde fica a segurança?
O envolvimento de governos e do sector privado é fundamental para a segurança das crianças no mundo digital.
Por exemplo, “todas as entidades privadas, as principais empresas de tecnologia e os fornecedores de comunicação” devem produzir “instrumentos de protecção para as crianças”, defende Beatriz Imperatori.
O relatório explora os benefícios trazidos às crianças pela tecnologia digital, como mais acesso à informação, desenvolvimento de competências e ligação com outras pessoas, mas também os perigos, como o uso indevido das suas informações pessoais, o acesso a conteúdos prejudiciais e o "cyberbullying".
Avisa ainda que as redes digitais, como a chamada "Deep Web", e as criptomoedas, como as "bitcoin", são facilitadores das piores formas de exploração e abuso, incluindo o tráfico e o abuso sexual infantil "feito sob encomenda online".
Além de sugerir que todas as crianças tenham acesso a recursos online com qualidade e a um custo acessível, o relatório recomenda a protecção das crianças face aos perigos da internet, a protecção da privacidade e identidade e o ensino sobre literacia digital para as manter informadas, envolvidas e seguras online.
Os jovens entre os 15 e os 24 anos são os mais conectados: estima-se que 71% estejam online em todo o mundo, contra os 48% da população total.
E nos telemóveis?
Beatriz Imperatori lembra que a massificação dos telemóveis também veio acrescentar perigos, pois são aparelhos que permitem a criança aceder a um mundo mais difícil de ser acompanhado e monitorizado pelos pais. “Mais dificilmente podem perceber onde as crianças estão e com quem estão a contactar; que ambiente é que estão a viver”, alerta.
“Aquela cultura do quarto onde os miúdos estão sós com o seu telemóvel, que acedem não sabemos a que conteúdos nem com quem falam, tornam esta relação muito mais distante de todos aqueles de quem dependem e que obviamente têm uma palavra a dizer”, salienta a representante da UNICEF em Portugal, apelando a um maior acompanhamento por parte dos pais. “Não quero dizer controlar no pior sentido”, ressalva.
Desigualdades do mundo digital
No relatório que a UNICEF apresenta como o seu "primeiro olhar abrangente" sobre como a tecnologia digital está a afectar a vida das crianças, as perspectivas de futuro, os perigos e as oportunidades, o organismo da ONU alerta também para a desigualdade que existe no acesso à tecnologia.
“Há outro lado muito importante do estudo que eu acho que vale a pena salientar e que é: ao mesmo tempo que a tecnologia é uma oportunidade pode ser uma ameaça, mas nos países em desenvolvimento, neste momento, o que vemos é que as crianças com menos possibilidades de aprendizagem são também aquelas que têm menos literacia digital. Mais uma vez estão a ficar para trás”, destaca a directora-executiva da UNICEF Portugal.
Um terço dos jovens no mundo (346 milhões) não estão online e os africanos são os que menos estão ligados, com três em cada cinco afastados das novas tecnologias associadas à internet. Em comparação, na Europa apenas estão offline três em cada 75 jovens.
Além disso, perto de 56% de todos os sites têm conteúdos exclusivamente em inglês, o que leva a que muitas crianças não consigam encontrar “conteúdo que entendam ou que lhes seja culturalmente relevante".
Onde fica a segurança?
Mais de nove em cada 10 endereços electrónicos sobre abuso sexual infantil identificados em todo o mundo estão hospedados em cinco países: Canadá, França, Holanda, Federação Russa e Estados Unidos.
"Cada vez mais vivemos sob uma influência digital e as crianças, que são muito permeáveis, crescem rodeadas de novas oportunidades, mas também de ameaças –ambas cada vez em maior número”, afirma Beatriz Imperatori, directora executiva da UNICEF Portugal, citada no comunicado sobre o relatório.
“Cabe aos governos, aos pais e também à sociedade em geral tornar o meio online mais seguro, para que as gerações futuras tirem o melhor partido possível desta que é parte integrante das nossas vidas – a tecnologia digital", acrescenta.
Já o director da UNICEF, Anthony Lake, salienta o "duplo desafio" de mitigar os perigos da internet e maximizar os benefícios para as crianças.
"As políticas, as práticas e os produtos digitais devem reflectir melhor as necessidades, as perspectivas e as vozes das crianças", defende.
Esta segunda-feira, a UNICEF comemora 71 anos. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, recebe um grupo de crianças, que lhe vão deixar simbolicamente a Convenção sobre os Direitos da Criança, anunciou a organização.
[Notícia actualizada às 10h30]