13 dez, 2017 - 11:45 • Vasco Gandra, em Estrasburgo
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Destacado político da oposição democrática, antigo presidente da Câmara de Caracas e deputado, Antonio Ledezma conseguiu sair da Venezuela. Esteve em prisão domiciliária desde 2015, mas encontra-se agora em Estrasburgo para receber, esta quarta-feira, juntamente com outros membros da oposição, o Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento 2017, atribuído pelo Parlamento Europeu.
Em entrevista à Renascença, confessa sentir o peso da responsabilidade de ser condecorado com o galardão da UE para os direitos humanos. Considera Nicolás Maduro um “ditador” que “controla as eleições” e pede sanções da União Europeia para todos os membros do regime que cometem “crimes de lesa-humanidade”.
O que pode mudar na luta da Oposição Democrática na Venezuela com a atribuição deste prémio?
Este é um prémio aos testemunhos de dignidade, de coragem, de persistência do povo da Venezuela. E, ao mesmo tempo, sinto-o como um aviso à consciência dos dirigentes da oposição para que entendamos a responsabilidade que temos nesta conjuntura que nos obriga a honrar a história de Sakharov, ao recebermos este prémio. Uma história dedicada à defesa da paz, do progresso e dos direitos humanos dos povos.
O regime de Maduro já disse que não vai deixar uma parte importante da oposição democrática concorrer às eleições presidenciais do próximo ano. Que diz a isto?
Como dizem os advogados quando há confissão, não é necessário provas. Não tenho que esmerar-me neste Parlamento Europeu para demonstrar que a Venezuela é uma ditadura. Basta citar essa declaração de Maduro para saber que tipo de gorila governa a Venezuela. Porque só um ditador é capaz de se expressar em termos semelhantes.
Ou seja, para Maduro, as eleições são um evento que eles controlam como entendem, como aconteceu no passado domingo [eleições municipais], que foi fraudulento porque foi convocado por uma assembleia nacional ilegítima, organizado por um governo eleitoral fraudulento e com um povo sitiado militarmente.
A União Europeia decretou um embargo de armas à Venezuela, mas ainda não avançou com sanções contra os membros do regime que terão cometido violações dos direitos fundamentais. Seriam úteis medidas da UE contra esses dirigentes neste momento?
Útil e necessário. É o que estamos a pedir aos grupos parlamentares: sanções homólogas às decretadas pelos Estados Unidos e Canadá. Se virmos as certificações da oficina de Viena que faz o controlo dos problemas do narcotráfico na Europa, há um relatório que revela que 60% da cocaína em território europeu vem de território venezuelano. Isto porque na Venezuela há chefes do narcotráfico que têm controladas as instituições do país. Isto são factos que não podem passar debaixo da mesa da comunidade internacional.
Nós pedimos mais sanções. Sanções, não contra a Venezuela, que fique claro. Sanções contra individualidades. Pessoas que estão relacionadas com escândalos de corrupção. Estamos a dizer que à Venezuela roubaram mais de 600 mil milhões de dólares [510 mil milhões de euros], dinheiro que foi destinado para comprar alimentos ou para dotar os centros de saúde com medicamentos ou equipamentos, ou para financiar projectos agropecuários, e foram burlados. E esses dinheiros estão hoje depositados em paraísos fiscais na Europa e noutras partes do mundo.
Estamos a dizer que no governo há responsáveis de crimes de lesa-humanidade, como consta em relatórios da ONU e da Organização de Estados Americanos.
Qual é o ponto da situação neste momento em relação aos presos políticos na Venezuela? E, já agora, gostava de ter o seu testemunho pessoal, que conseguiu escapar. Qual é o sentimento da sociedade venezuelana?
Na Venezuela há presos de consciência, portanto, quando recebemos o prémio não podemos estar contentes.
Na minha cabeça há muitas recordações dos meus companheiros com quem partilhei a prisão e que estão privados injustamente de liberdade, estão a ser perseguidos pela polícia do regime. Esta é a situação de presos, de torturados, de perseguidos, de gente submetida aos caprichos de uma ditadura.
Quando decidi libertar-me – porque, mais de uma fuga foi uma libertação – foi porque estava convencido de que nunca teria um processo judicial devido. Por isso, libertei-me, porque estimei que, depois de mais de mil dias privado injustamente da minha liberdade, posso ser mais útil à causa da liberdade no exterior da Venezuela.
Que mensagem pode deixar à comunidade de portugueses e luso-descendentes na Venezuela?
A Venezuela é um país cruzado com muitas famílias de origem portuguesa. Vamos a uma localidade e, se não há uma padaria que se chame Coimbra, há uma peixaria que se chama Madeira.
Trabalhei com muitos portugueses como presidente de câmara, governador, parlamentar, quer nos bairros, nas organizações, em qualquer localidade da Venezuela. E o que digo aos portugueses que estão lá é que resistam. E aos que se foram digo que preparem a sua mala para regressarem à sua segunda pátria, que é a Venezuela.