22 dez, 2017 - 09:56
Quem teve mais votos não vai mandar. O Cidadãos venceu nas urnas, mas não evitou a maioria absoluta conseguida pelos partidos que defendem a independência em número de assentos parlamentares (70 dos 135 lugares).
Nas primeiras reacções da noite eleitoral, na quinta-feira, todos cantaram vitória, mas a verdade é que ninguém sabe bem o que vai acontecer.
“As alternativas são as seguintes: um governo independentista, com o apoio da candidatura unitária popular, que é realmente um movimento radical de esquerda e, portanto, será um governo prisioneiro de uma política muito extrema – será um prolongar do problema que temos aqui”; ou “uma coligação que não é independentista mas está a favor do referendo. Poderão tentar apoiar-se nessa coligação, mas ela já disse que os resultados os empurram para a oposição”, indica Gabriel Magalhães, colunista do jornal catalão “La Vanguardia” e professor de Literatura e Cultura Espanhola na Universidade da Beira Interior (UBI).
Resumindo, “neste momento, a sensação que dá é que a Catalunha é ingovernável”, diz na Manhã da Renascença.
Gabriel Magalhães destaca o “resultado histórico” do Cidadãos, que ganhou “em número de votos e de deputados” (porque subiu face às eleições anteriores).
“É a primeira vez, desde o começo da democracia espanhola, depois da morte de Franco, que um partido não nacionalista ganha as eleições na Catalunha”, destaca.
Ainda assim, “é impossível” que a candidata Ines Arrimadas venha a presidir ao governo catalão, diz.
Mas, se nas urnas “50% das pessoas votaram em partidos que não são independentistas, como é que é possível que os independentistas, que recuaram relativamente às eleições de 2015, proclamem vitória de uma forma tão alto e sonante?”
O professor da UBI diz que tudo deriva das expectativas com que partiram para o escrutínio marcado por Madrid. “A Catalunha tem neste momento quatro políticos na prisão, tem o presidente da Generalitat, que já não é presidente segundo a lei espanhola, no exílio e estavam convencidos de que o resultado iria ser catastrófico, com a aplicação do 155º”.
“Portanto, o entusiasmo que se manifesta é de sobrevivência; é de não terem sido humilhados pela pressão que foi feita pelo Governo espanhol”, conclui.
Quem fica mal no retrato é o presidente do Governo espanhol e líder do PP, Mariano Rajoy. “É o que tem mais botas para descalçar”, diz Gabriel Magalhães.
“Hoje de manhã, as declarações do Governo serão decisivas: querem pôr mais tensão ou, pelo contrário, vão suavizar a linha que têm seguido?”, questiona.
Na opinião antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, Martins da Cruz, o resultado das eleições de quinta-feira mostra que “a sociedade catalã está quase dividida ao meio e, portanto, a situação voltou ao que era antes do referendo ilegal que foi realizado e que deu origem à intervenção do Estado espanhol pelo artigo 155º da Constituição”.
Neste cenário, “o problema vai ser o que vão fazer os partidos que se vão juntar e que têm a maioria no parlamento catalão: vão insistir na chamada via unilateral da independência ou vão governar e vão dizer, muito bem, vamos tentar, por vias constitucionais, conseguir uma maior autonomia ou até a independência se isso for possível nos parâmetros da Constituição espanhola?”.
“Porque, se não fizerem isso, vai ser difícil que o Governo de Madrid aceite uma situação contra a Constituição”, remata.
Na Catalunha, portanto, “não é só uma bota, são muitas botas” por descalçar e cresce a expectativa em relação à resposta de Madrid, que para já mantém o silêncio. O Conselho de ministros espanhol reúne-se esta sexta-feira, depois de uma das mais participadas eleições de sempre na Catalunha.