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Álvaro Vasconcelos: “A quem serve o envenenamento do ex-espião? A Putin"

17 mar, 2018 - 09:00 • José Bastos

Para o analista, o caso do envenenamento de Sergei Skripal serve a estratégia eleitoral do Presidente russo, porque "a tensão internacional faz parte da estratégia política interna de Putin".

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Cronologia interativa: O que sabemos sobre o caso Skripal


Álvaro Vasconcelos, antigo director do Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia, diz que o nível de abstenção vai determinar a análise aos resultados das eleições presidenciais russas de domingo.

"Se Putin tiver menos de 70%, terá uma sensação de derrota eleitoral, porque concorre contra si próprio", argumenta o analista, fundador do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais de Lisboa (IEEI), do qual é diretor-geral,

Álvaro Vasconcelos, que atuou como conselheiro especial de Defesa e Relações Internas para o governo português e tem numerosas publicações sobre política internacional e europeia, sustenta que o caso do envenenamento do antigo espião russo em Londres favorece eleitoralmente o Presidente russo, "porque aumenta a tensão com o Ocidente" e "a tensão internacional faz parte da estratégia política interna de Putin".

Como melhor descrever as eleições deste domingo: referendo à presidência ou teste de popularidade de Putin?

É um teste de popularidade a Putin que, evidentemente, desenrolou a sua campanha à volta dos temas nacionalistas. Quanto mais confronto tiver com o Ocidente, mais Putin pensa que aumentará a sua popularidade interna.

Na Rússia, não há espaço para a oposição vingar?

Apesar da popularidade de Putin ser elevada, não temos a certeza exacta da intensidade dessa notoriedade. Na Rússia, não existem eleições livres, transparentes, em que um candidato forte da oposição possa ir a votos. Aconteceu agora com Alexey Navalny, impedido de se apresentar nas eleições. Meses antes do início oficial da campanha, foi condenado, por ter um discurso à volta do tema da corrupção, um tema que toca muito aos russos. A maioria da população considera o grupo que gravita à volta de Putin como corrupto e, portanto, Navalny poderia ter tido algum sucesso eleitoral. Mas, claro, nunca o saberemos porque ele foi impedido de concorrer.

Há estudos a sugerir que Alexey Navalny pode valer 20% a 30% do eleitorado. A vitória de Putin terá de ser superior a 70% para eliminar pulsões oposicionistas?

Sem um sistema transparente, sem liberdade clara de participação eleitoral, sem uma imprensa livre a permitir que a oposição se exprima em pé de igualdade com Putin é muito difícil concluir que o presidente iria ter uma tarefa facilitada contra Navalny ou qual será a diferença entre os dois. Tanto mais que não sabemos que dinâmicas as duas campanhas poderiam assumir. Noutros países, já vimos alterações de dinâmicas, por exemplo, nos Estados Unidos, em que, de repente, a opinião pública detecta uma alternativa forte na oposição.

As pessoas sem medo perdem o receio, apresentam-se nas manifestações públicas, vencem essa barreira terrível - o medo - e protagonizam uma surpresa. Na Rússia, poderia haver uma surpresa. Putin tem medo de duas coisas. Tem medo da surpresa, sabe o que aconteceu com movimentos de massas a desenvolverem-se de forma incontrolável. Esse é o grande terror de Putin. A "revolução laranja", a "primavera árabe", esses movimentos de massas que surpreendem. E, por outro lado, tem o medo de se confrontar com um político que denunciasse os casos de corrupção e o autoritarismo do regime russo. Nesse sentido, impediu que o único candidato que o poderia confrontar - Navalny - se apresentasse.

Além disso, Putin não participou nos debates eleitorais, mesmo com os candidatos que permitiu apresentarem-se às urnas, porque sabe que daí não vem qualquer risco. Não vai a debates, fez uma campanha solitária com o argumento nacionalista do homem-forte que vai devolver à Rússia um lugar cimeiro nas potências mundiais.

A economia não está boa, mas Putin enfrenta pouca pressão popular. Como se explica esta apatia politica e social dos russos? Com a inexistência de uma sociedade livre?

É uma questão importante de resposta difícil. Os russos viveram uma experiência muito dura, com o fim da União Soviética e o impacto negativo da política económica de Ieltsin, com o apoio de conselheiros americanos e europeus, conduzindo a uma situação de extrema pobreza. Houve uma sensação de humilhação económica, social e política. É terreno fértil para o desenvolvimento de uma ideologia nacionalista, a dominante, agora, na Rússia.

Por outro lado, surgiu uma nova classe média voltada para o consumismo, para o individualismo, para o bem-estar pessoal. Para se perceber a situação particular "dessa" Rússia, há um filme muito interessante, agora nos cinemas, o "Loveless - Sem Amor”, a mostrar bem como essa classe média se tornou incapaz de se voltar para outros valores que não os do bem-estar económico. Evidentemente que sem uma classe média activa, apoiando movimentos alternativos ao poder de Putin, é muito difícil fazer cair o regime.

Na política externa, Putin invadiu a Ucrânia, anexou a Crimeia, é decisivo na Síria, é acusado de interferir em eleições no Ocidente, tem agora o incidente dos ex-espiões na Grã-Bretanha, mas também conquistou as Olimpíadas de Inverno e o Mundial de Futebol. Acusa o Ocidente de russofobia. Putin precisa desta tensão?

Não pode haver dúvida de que a tensão internacional faz parte da estratégia política interna de Putin, afirmando-se como principal alternativa mundial ao Ocidente. Integra uma capacidade de Putin em fazer mobilizar um grande sector da opinião pública russa. Este último caso, no Reino Unido, de envenenamento de antigos membros da nomenclatura russa é um episódio que concorre para elevar essa tensão no período de eleições. Podemos achar surpreendente que aconteça em vésperas das eleições. Então a quem serve? Serve a Putin, porque aumenta a tensão com o Ocidente no momento em que ele quer ter um grande resultado eleitoral. Sabemos que as eleições não são devidamente vigiadas e fiscalizadas por organismos independentes, mas Putin quer ter uma legitimidade eleitoral significativa.

Putin tem de superar os 70% de votos com 70% de afluência às urnas para ter essa legitimidade? O segundo nas sondagens, Pavel Grudinin, tem 8% das intenções de voto...

Sim. Se Putin tiver menos de 70%, terá uma sensação de derrota eleitoral, porque concorre contra si próprio. Não permitiu um candidato forte nem o fará enquanto tiver o poder. Até mais que contra o resultado eleitoral - que poderá manipular -, Putin concorre contra a abstenção. Esse parece ser o indicador mais importante destas eleições: saber quantos russos foram votar. Talvez aí seja mais difícil a fraude eleitoral, mas existirá em áreas da Rússia onde há menor controlo dos cadernos eleitorais. Um resultado fundamental para a leitura das eleições será a taxa de abstenção, que, se for expressiva, representará uma derrota para Putin. Isso significará que os candidatos banidos por Putin e que não se puderam apresentar às eleições tiveram um impacto significativo em parte da população, que não foi votar por não se achar representada por qualquer dos candidatos. Temos de estar atentos à taxa de abstenção para perceber o que se passou.

Comentários
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  • Filipe
    17 mar, 2018 évora 19:18
    A vida de espião obedece a um padrão e não se trata de um contratado que vai trabalhar numa cadeia de supermercados 6 meses e depois sai e vai para outra cadeia contar quanto fazia por dia a caixa dele . Um espião sabe de segredos de Estado é para isso que existem e quando abandonam tem duas hipóteses ; 1- tem amnésia a partir do dia da saída , 2- falam pelos cotovelos e acabam comidos pelas larvas .
  • Gustavo Isidoro
    17 mar, 2018 Lisboa 15:01
    Errado, Sr. Álvaro Vasconcelos. O suposto «o envenenamento do ex-espião russo» serve Theresa May. Tal como o anti-islamismo serviu para eleger o último primeiro-ministro holandês. Se ainda não percebeu isto e aponta o dedo a Putin, é porque o Sr. Álvaro Vasconcelos é um ignorante.
  • Régio
    17 mar, 2018 lisboa 12:23
    Focando a abstenção como fator de valoração em Potugal a mesma é de cerca de 50% logo está em causa o regime?

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