12 abr, 2018 - 10:50 • Vasco Gandra, em Bruxelas
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Os últimos dados oficiais disponíveis indicam que no biénio 2014-2015 foram registadas 3.950 declarações de eutanásia – ou seja, uma média de quase cinco casos de eutanásia por dia.
Desde que a lei entrou em vigor, em 2002, o número de eutanásias aumentou quase oito vezes, segundo os últimos dados disponíveis publicados pela Comissão Federal de Controlo e de Avaliação da Eutanásia, a entidade responsável por monitorizar a aplicação da lei na Bélgica.
De acordo com os dados relativos a 2014-2015, a esmagadora maioria das declarações (80%) foi feita em neerlandês, o que significa que a maior parte das eutanásias ocorreu na Flandres, região norte do país.
A maior parte foi praticada em pessoas entre os 70 e os 89 anos. Mas há um dado que interpela: 55 pessoas entre os 18 e os 39 anos pediram a eutanásia durante aqueles dois anos.
Em 2015, 67,8% dos que pediram eutanásia padeciam de cancro, 10,3% de polipatologias, 6,9% doenças do sistema nervoso e 5% doenças do aparelho circulatório.
Outro dado: houve 122 casos de pessoas com perturbações mentais ou de comportamento, o que representa cerca de 3% dos casos de eutanásia.
E mais um: 43,9% das eutanásias foram praticadas no domicílio, 41,9% no hospital e 12,3% em casas de cuidados e de repouso.
O que diz a lei belga
A lei belga permite a eutanásia em determinadas condições. No momento em que apresenta o pedido, o paciente deve ser capaz de exprimir a sua vontade, estar consciente, encontrar-se numa situação médica sem saída, num estado de sofrimento físico e/ou psíquico insuportável, devido a doença grave ou incurável.
O pedido deve ser feito de forma voluntária, refletida, repetida e sem pressões exteriores.
A eutanásia não é considerada um direito – a apresentação de um pedido não garante por si só que é aceite. O médico pode ou não dar seguimento ao pedido e deve informar exaustivamente o paciente sobre a sua situação, as possibilidades terapêuticas e ouvir um segundo parecer médico.
Nos casos em que o doente não pode comunicar a sua vontade (se estiver em coma, por exemplo), é exigida uma declaração antecipada para se proceder à eutanásia.
Em 2014, a lei foi alargada a menores de idade. O doente menor que pretende pedir a eutanásia deve ter capacidade de discernimento, encontrar-se num estado de sofrimento físico insuportável, numa situação médica sem saída que levará à morte a breve prazo. Os pais, ou os representantes legais, deverão dar o seu acordo.
As polémicas da lei
A legislação continua a gerar polémica e divisões. Em primeiro lugar, por causa dos termos da lei que permite a eutanásia no caso de sofrimento insuportável. Este é um termo subjetivo e difícil de medir, dizem os opositores.
“Não há um termómetro para medir o sofrimento”, afirma Carine Brochier do Instituto Europeu de Bioética (IEB).
Os críticos alertam também para a possibilidade de derivas e abusos e para a banalização da eutanásia. “Há bons cuidados paliativos na Bélgica mas parece que a eutanásia é a melhor forma de morrer. Isto é catastrófico”, considera a coordenadora do IEB que denuncia ainda a existência de “médicos que praticam a eutanásia sobre pressão de familiares”.
Por outro lado, Carine Brochier diz que, se o Estado atribui a responsabilidade da eutanásia ao pessoal do setor da saúde, está precisamente a romper com a vocação primeira de médicos e enfermeiros.
Outro ponto polémico é o recurso à eutanásia em caso de sofrimento psíquico insuportável. Estes casos representam cerca de 3% do total. Em 2014-2015, registaram-se 122 eutanásias em pessoas com transtornos mentais e de comportamento.
A Comissão Federal de Avaliação afirma que estes casos são cuidadosamente examinados por forma a garantir que cumprem as condições legais. Ainda assim, esta entidade de controlo constatou a existência de um caso em 2014-2015 que não respondia aos critérios essenciais da lei e enviou o dossiê para o Procurador do Rei (Ministério Público).
Por outro lado, especialistas garantem que não há fundamento científico objetivo para determinar que um sofrimento psíquico é incurável.
Já houve situações na Bélgica de eutanásia praticada em pessoas com sofrimento psíquico que suscitaram múltiplas questões e reações. Há três anos, 65 professores, psiquiatras e psicólogos escreveram uma carta aberta na imprensa a denunciar “a banalização crescente da eutanásia por único motivo de sofrimento mental”. Defendiam por isso o fim da eutanásia para estes casos concretos.
Há quatro anos, a Bélgica viveu nova polémica quando o Parlamento votou a lei que alarga a prática da eutanásia a menores de idade, indo mais longe do que a Holanda.
A Bélgica é assim o único país a autorizar a eutanásia em menores sem limite de idade – o que prevalece é, não a idade, mas a noção de capacidade de discernimento do adolescente.
No caso dos menores, a lei exclui a dor psíquica. Até agora a imprensa belga reportou dois casos de eutanásia em menores de idade.