13 abr, 2018 - 17:00 • Elsa Araújo Rodrigues
Guilherme Boulos é pré-candidato à presidência do Brasil pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), nas próximas eleições.
No Brasil, tem sido considerado como o "herdeiro político" de Lula da Silva e foi para denunciar internacionalmente a prisão ilegítima do ex-Presidente que esteve em Lisboa, no âmbito de um ato "em defesa da democracia brasileira", organizado por Pilar del Rio, presidente da Fundação Saramago, e Boaventura Sousa Santos, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.
Em entrevista à Renascença, Boulos não quis falar do seu futuro político, mas do presente de Lula de Silva, com quem esteve antes de ser preso e que viu "firme, mas indignado".
Para o também líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, o ex-Presidente do Brasil é "uma pessoa forte" e, por isso, não irá "quebrar".
No Brasil, há quem diga que Guilherme Boulos foi mesmo escolhido como sucessor pelo próprio Lula. Faz parte da frente de esquerda que se está a formar no Brasil - que o PT quer liderar - e que, segundo Boulos "não é uma frente eleitoral".
No Brasil, há quem o considere o "herdeiro político" de Lula da Silva. Concorda?
O Lula segue sendo o candidato a Presidente da República e nós defendemos o direito de ele ser candidato. Nós temos a nossa candidatura, que apresenta um projeto para o país que quer debater profundamente a democracia, querer debater o enfrentamento à desigualdade no Brasil.
Um projeto muito semelhante ao que já levou Lula à presidência...
Mas nós defendemos o direito do Lula se candidatar porque entendemos que é uma farsa judicial e vamos seguir defendendo isso. Então, fazer um debate como esse agora, sobre quem será o herdeiro de Lula, nós achamos que não é tempo para isso.
Esteve com Lula no sindicato dos metalúrgicos, imediatamente antes de se entregar às autoridades. Como é que ele estava?
O Lula estava firme, consciente e indignado porque sabe que está sofrendo uma justiça, mas disposto a ir para a batalha.
Lula tem 72 anos e recebeu uma sentença de mais de uma década. Pensa que poderá "quebrar" em algum momento?
O Lula é forte. Ele é uma pessoa muito forte, já passou por muita dificuldade na vida. Não acho que vão conseguir quebrá-lo, não.
É candidato à presidência no âmbito desta frente de esquerda que o PT está a tentar formar no Brasil?
Essa frente é em defesa da democracia, não é uma frente eleitoral. É uma frente da sociedade, com movimentos compartidos e com candidatos diferentes. Porque nós entendemos que, para além das diferentes políticas - que existem e são legítimas - dentro da esquerda, é preciso que haja unidade em questões fundamentais.
Que questões são essas?
Estamos num momento muito grave no Brasil. Há uma escalada fascista de violência política, que matou Marielle [Marielle Franco, vereadora da prefeitura do Rio de Janeiro, que foi assassinada a tiro no passado mês de março]. Há uma judicialização da política que colocou o Lula na cadeia. Em relação a esses pontos, nós temos que estar juntos - essa é a natureza da frente.
Veio a Portugal para defender a inocência de Lula da Silva?
Estamos a fazer esse roteiro para defender a liberdade do Lula e dizer que é preciso haver uma campanha de solidariedade internacional.
No Brasil, as instituições estão muito afetadas e muito fragilizadas. É importante que venham vozes de fora também. Para que o mundo veja a injustiça que está havendo neste momento com Lula, que veja também a barbárie que é o caso Marielle e que também cobre justiça, junto connosco.
É líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto e Lula da Silva é apoiado por um organismo próximo, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Vê a prisão do ex-Presidente como produto de uma luta de classes?
Não tenha dúvida. O judiciário assumiu um partido, o judiciário tomou lado. Em vez de julgar, o juiz se posicionou politicamente com o intuito de tirar o Lula das eleições. Isso é disputa social e política.
A prisão do Lula faz, seguramente, parte de um contexto em que as elites económicas do Brasil querem - pelo menos uma parte delas - liquidar o que resta de democracia no país, para espoliar ainda mais o povo brasileiro. Para entregar o património nacional, para baixar salários, implementar uma legislação trabalhista destrutiva, para acabar com a previdência pública, para destruir garantias tanto de direitos sociais. É uma luta de classes.
É um problema muito ancorado no contexto brasileiro. Pode tornar-se uma questão internacional?
Esse é um problema internacional. Já o era, porque o que acontece no Brasil não é único. O golpe parlamentar que derrubou a Presidente Dilma e colocou um governo ilegítimo no lugar é algo parecido com o que aconteceu no Paraguai. Havia acontecido algo parecido nas Honduras. Há ameaças à democracia no mundo todo.
Cada vez mais, o regime de acumulação neoliberal é incompatível com as formas democráticas mais fundamentais. O povo não pode ter voz para poder aceitar a imposição de medidas tão avassaladores e tão anti-populares.
O que pensa da petição "online" para atribuir o Nobel da Paz a Lula da Silva?
Acho que todas as iniciativas, inclusive essa, são importantes para dar visibilidade à situação do Presidente. O Lula está preso. É o maior líder social do Brasil e está preso sem qualquer prova, com um processo jurídico que é uma verdadeira farsa, altamente questionável em todos os aspectos. Todas as iniciativas precisam de ser levadas a cabo para denunciar isso internacionalmente. Nomear Lula para o Nobel da Paz é uma forma de denúncia válida e legítima.