12 jul, 2018 - 00:03 • Eunice Lourenço (Renascença) e Helena Pereira (Público)
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Augusto Santos Silva defende, em entrevista à Renascença e ao Público, que Portugal tem uma relação de "equilíbrio" com a Rússia e confessa que o seu europeísmo não está abalado com o crescimento de fenómenos xenófobos.
Portugal vai aumentar a sua contribuição para a NATO?
O compromisso é de aumentar a despesa com defesa e sobretudo as capacidades de defesa. A resposta é 'sim' tendo em conta o compromisso que nós todos assumimos em 2014 na cimeira de Gales. O objetivo é caminharmos para o 2% tendo em conta horizonte de 2024. Há três elementos a ter em atenção: não se trata apenas de aumentar a despesa militar propriamente dita porque as questões de segurança e defesa no Atlântico Norte hoje põem-se em domínios tão importantes como as infraestruturas críticas, significa promover a nossa segurança do ponto de vista energético e aumentar a capacidade de desenvolver a indústria nacional.
Implica compras militares também.
Compra e produção. Portugal participa na construção do novo avião de transporte militar o kc390. Sobretudo para os europeus e certamente para os canadianos, o investimento na segurança passa também crucialmente pelo nosso apoio ao desenvolvimento. Todos os europeus sabem que a melhor contribuição para a paz no mundo é apostar nas parcerias para o desenvolvimento. Não estamos a discutir propriamente armamento militar, mas da Europa assumir mais a sua quota-parte de segurança.
Há uma interpretação de empenho da Europa e do Canadá que é diferente da dos EUA?
A atual administração norte-americana foca-se muito nos 2%. A perspetiva europeia é mais lata. Mas certamente haverá uma aproximação entre as partes na hora a que esta entrevista for publicada. É para isso que existem cimeiras.
Está prevista alguma participação de Portugal em mais missões da NATO?
Não sou ministro da Defesa Nacional. A cada um a sua responsabilidade.
Foi anunciado esta semana uma cimeira que vai decorrer até ao fim deste mês em Portugal e que vai juntar Presidente Macron, o PM espanhol, o presidente da Comissão Europeia. Quais são os objetivos dessa cimeira?
Avançar no sentido das interligações energéticas. As condições para a que a energia produzida em Portugal e Espanha chegue à Europa através da França são ainda muito reduzidas. Portugal chega a produzir energia renovável em maior quantidade do que aquela que consumimos. Quanto mais energia renovável produzida em Portugal e Espanha a Europa consumir, mais avançada a Europa estará no cumprimento das suas metas ambientais e mais autónoma em relação à Rússia.
Como vê a relação com a Rússia neste momento?
Temos relações diplomáticas normais com a Rússia. A Rússia reconhece que Portugal tem uma relação equilibrada. Temos um duplo registo na relação com a Rússia. Por um lado, firmeza na dissuasão e na nossa própria segurança e na denúncia dos atos russos hostis à Europa o que viola o direito internacional, como a anexação da Crimeia em 2014. Por outro, colaboração com a Rússia nas matérias que são do interesse comum como no combate ao terrorismo.
Como está a acompanhar a situação no Reino Unido e as demissões no Governo por causa do 'Brexit'?
Conheço bem a vitalidade da democracia britânica para não ter nenhuma preocupação. Estou, sim, muito preocupado com a negociação do 'Brexit'. O referendo foi em junho de 2016 e ainda não sabemos o que o Governo britânico realmente quer. O risco de chegarmos a outubro com a negociação ainda bloqueada como está agora é um risco real. Temos que ter um acordo. A pior coisa que nos podia acontecer é chegar ao dia 29 de março de 2019, dia em que formalmente o artigo 50 é ativado, e não termos um acordo sobre o período de transição e o futuro. Os britânicos estão a aprender agora que o processo de integração europeia tornou-se um processo tão presente na nossa vida quotidiana, na organização da nossa sociedade que é preciso ter muito cuidado quando se o põe em causa. No dia em que sair da UE, o Reino Unido abandonará automaticamente 750 acordos internacionais diferentes. Neste momento, há um impasse. A primeira fase de negociações correu bem mas depois quando chegou à fase de resolver a questão espinhosa da fronteira entre a Irlanda e a Irlanda do Norte e começar a trabalhar na relação futura verificou-se um impasse e é preciso trabalhar para superar o impasse.
Corremos o risco de ir para eleições europeias com tudo muito embrulhado?
É preciso olharmos para todos os cenários. Tenho esperança que a enorme maturidade democrática do Reino Unido e a enorme capacidade imaginativa da UE consigam fazer chegar a um acordo. Se não houver acordo, os efeitos negativos serão catastróficos quer para o Reino Unido quer para a União Europeia.
Que tipo de efeitos?
Para dar um exemplo muito simples: a companhia área que hoje, mantendo ligações entre Manchester e Faro, tem também a possibilidade de fazer ligações entre Faro e Lisboa, deixará de o poder fazer se no dia do 'Brexit' não houver acordo sobre o serviço aéreo. Queremos voltar a ter alfândega para importar uma saia escocesa ou exportar vinho do Porto? Acho que não queremos voltar a isso.
Continua a ser um europeísta esperançoso mesmo com o 'Brexit', o crescimento da xenofobia na Itália e na Hungria?
A região que vai mais longe na combinação de democracia política, prosperidade económica e bem-estar social é a UE. Nós não valemos nada, nem a Alemanha vale alguma coisa no mundo de hoje, só por si. Há quem diga com graça que há dois tipos de países pequenos na Europa, aqueles que sabem que são e os outros que ainda não sabem que o são. Eu diria da Europa o que Churchill disse da democracia: terá os seus defeitos, mas não se inventou melhor até agora.