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Opinião

A demissão de Boris Johnson, o eterno candidato

14 jul, 2018 - 13:33 • André Barrinha, Universidade de Bath e Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra

Boris Johnson, a quem muito é perdoado pelos media britânicos sempre apaixonados pelo seu tom bonacheirão e palavras desconcertantes, foi objetivamente um mau ministro dos negócios estrangeiros.

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Um dia o Brexit dará origem a uma série de televisão, daquelas com múltiplas temporadas, de enredo complexo, com muita ação a desenrolar-se num relativo curto espaço de tempo. E nela Boris Johnson será certamente uma das figuras centrais.

O antigo mayor de Londres demorou a definir a sua posição relativamente ao Brexit – escreveu um texto a favor e outro contra, acabando por optar pelo primeiro. Quando o fez, fê-lo com o zelo de um convertido, discursando diariamente sobre os enormes benefícios que adviriam para o Reino Unido com a saída da União Europeia. Na sua última intervenção antes do referendo, disse mesmo que o 23 de Junho seria o dia da Independência do Reino Unido, uma mensagem que na altura teve uma enorme recetividade no eleitorado britânico. É possível que, sem ele, o ‘Não’ nunca tivesse vencido.

Dois anos depois, Boris Johnson demite-se das funções de Ministro dos Negócios Estrangeiros, cargo que tinha sido convidado a exercer por Theresa May pouco depois do referendo, numa tentativa de manter algum controlo sobre o seu errático colega de partido. A sua demissão vem na sequência da proposta de saída do Reino Unido da União Europeia apresentada pela primeira-ministra aos seus colegas de gabinete na passada sexta-feira. Vem igualmente no seguimento da demissão de David Davis (o ministro responsável pela pasta do Brexit) que se diz incapaz de negociar uma proposta em Bruxelas que a seu ver cede boa parte do controlo da economia britânica (em termos de troca de bens) à União Europeia. Também para Boris Johnson se tornou insustentável manter-se no governo. Para este, de acordo com a sua carta de demissão, a proposta apresentada por Theresa May na sexta-feira passada é um içar da bandeira branca logo no início da batalha.

Se para David Davis se tratou de uma posição de princípio, para Boris foi uma inevitabilidade política. Particularmente após a demissão de David Davis, não havia grande margem de manobra para o ´líder´dos Brexiteers. Ao contrário do que tinha acontecido até então, a primeira-ministra tinha exigido compromisso e lealdade para com a proposta apresentada. O ambiente que antecedeu o encontro do conselho de ministros em Chequers (a casa de campo da primeira-ministra) tinha sido hostil para os ministros mais favoráveis a um hard Brexit, tendo sido anunciado (de acordo com a imprensa britânica) que quem não aceitasse a proposta deveria sair do governo, sendo que quem se demitisse teria de ir a pé ou chamar um táxi porque deixariam automaticamente de ter acesso a carro e motorista. Ninguém o fez na sexta-feira, mas durante o fim-de-semana começaram a chegar relatos de ministros descontentes com a proposta, incluindo Boris Johnson. A partir daí foi só uma questão de tempo.

Boris Johnson, a quem muito é perdoado pelos media britânicos sempre apaixonados pelo seu tom bonacheirão e palavras desconcertantes, foi objetivamente um mau ministro dos negócios estrangeiros. Ofendeu múltiplos dignatários e países, agravou, através da sua intervenção, a situação de uma cidadã britânica presa no Irão e rebaixou-se ao ponto de ir ao programa de televisão favorito de Donald Trump na Fox News para lhe implorar publicamente que não rasgasse o acordo com o Irão.

Há duas semanas, ausentou-se inesperadamente de Londres para evitar um voto na Casa dos Comuns sobre a expansão de Heathrow, uma questão que tinha apresentado como um dos seus lemas de campanha e sobre a qual sempre se tinha manifestado contra, ao ponto de prometer deitar-se em frente aos bulldozers se as obras fossem autorizadas. Veio a aparecer horas mais tarde no Afeganistão, onde acabou por se reunir apenas com o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros afegão Hekmat Karzai, uma vez que o ministro não estava disponível devido à falta de preparação da viagem com a devida antecedência.

Para Theresa May, o único risco que a saída de Boris Johnson acarreta é o de este conseguir reunir o apoio de um número suficiente de deputados conservadores para pôr em causa a sua liderança. Caso contrário, é possível que Boris Johnson continue as suas aparições públicas contra a posição do governo (como fazia mesmo enquanto ocupava o posto de ministro), mas que não coloque em risco o plano aprovado na sexta-feira passada. É mesmo possível que toda esta situação venha a reforçar a posição da primeira ministra dentro do seu partido e até em Bruxelas, onde terá agora que negociar o futuro do Reino Unido fora da União Europeia. Mas isso serão episódios de uma próxima temporada.


André Barrinha é Professor de Segurança Internacional na Universidade de Bath, no Reino Unido, e Investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. É doutorado nessa mesma área pela Universidade de Kent, Reino Unido. Esteve entre 2004 e 2006 ligado ao Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais, em Lisboa.

Comentários
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  • Anónimo
    14 jul, 2018 17:03
    Que vá pela sombra.

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