31 jul, 2018 - 14:14 • Joana Azevedo Viana
Quem é Paul Manafort?
Começou a dar nas vistas nos Estados Unidos, em particular entre os membros do Partido Republicano, quando trabalhou nas campanhas presidenciais de Gerald Ford e Ronald Reagan.
Depois da vitória de Reagan em 1980, lançou a sua carreira de lobista, abrindo uma empresa de consultoria e relações públicas em parceria com Roger Stone, um dos conselheiros do Presidente Trump que mais tem dado que falar desde a tomada de posse da atual administração.
A empresa ganhou notoriedade dentro e fora dos EUA ao incluir na sua carteira de clientes controversas figuras políticas estrangeiras, entre elas o antigo ditador filipino Ferdinand Marcos e o guerrilheiro angolano, e mais tarde líder da UNITA, Jonas Savimbi.
Em 2004, Manafort focou atenções na Ucrânia, fechando um contrato avultado com Viktor Ianukovitch e o seu Partido das Regiões (pró-Rússia), que na altura estavam na oposição e não angariavam grande popularidade entre o eleitorado do país.
Ao longo dos anos seguintes, o norte-americano ajudou Ianukovitch até este ser eleito Presidente da Ucrânia em 2010. A partir daí, Manafort tornou-se um conselheiro altamente influente do Governo ucraniano que, em 2014, seria derrubado por protestos ao optar por assinar um acordo comercial com Moscovo em detrimento de uma aproximação à União Europeia.
Robert Mueller, o antigo diretor do FBI que foi nomeado conselheiro especial pelo Departamento da Justiça para investigar a ingerência russa nas presidenciais de 2016, diz que Manafort lucrou mais de 60 milhões de dólares a longo desses anos de trabalho na Ucrânia.
Com a queda do Governo de Ianukovitch e a fuga do Presidente demissionário para a Rússia, Manafort perdeu a sua maior fonte de rendimento, numa altura em que o FBI estava a começar a investigar o paradeiro de parte do dinheiro com origem na Ucrânia. A par disto, envolveu-se num braço-de-ferro judicial com o multimilionário russo Oleg Deripaska, seu antigo cliente, que o acusou de desfalque em dezenas de milhões de dólares.
Apesar das controvérsias, em março de 2016 Trump anunciou a contratação de Manafort para dirigir a sua campanha eleitoral à Casa Branca. Em agosto desse ano, com as sondagens a anteverem (erradamente) que Trump ia ser derrotado pela sua rival democrata, Hillary Clinton, o candidato republicano despediu Manafort.
Já depois da tomada de posse de Trump, em janeiro de 2017, Manafort seria formalmente indiciado por Mueller no âmbito do seu inquérito à interferência russa no processo eleitoral do ano anterior, apesar de as acusações não estarem diretamente ligadas a essa ingerência. As primeiras acusações formais sugiram no final desse ano, às quais se seguiram novas acusações em fevereiro e em junho deste ano.
Porque é que Manafort está a ser julgado?
O julgamento que começa esta terça-feira no estado da Virginia - o primeiro a ter lugar desde o início da investigação de Mueller - tem a ver com suspeitas de crimes fiscais.
Enfrenta 18 acusações que se dividem em dois tipos de crime: o primeiro é classificado pelo conselheiro especial Mueller como um "esquema de fuga fiscal", relacionado com os anos em que trabalhou para o Partido das Regiões na Ucrânia. É suspeito de ter criado uma complexa teia de empresas-fachada em paraísos fiscais para desviar cerca de 30 milhões de dólares para fora dos EUA entre 2008 e 2014.
O segundo está ligado aos cerca de 12 milhões de dólares que terá gasto em "itens pessoais" em mais de 200 transações distintas; desse total, 6,4 milhões foram colocados em contas offshore para alegados negócios imobiliários e 13 milhões foram dados como "empréstimos" a empresas que ele próprio controlava - empréstimos esses que o Governo federal diz corresponderem a um esquema fraudulento para fugir aos impostos.
O que se pode esperar deste julgamento?
A primeira fase deverá estar concluída dentro de duas a três semanas, antecipando-se que a equipa de Mueller convoque até 35 testemunhas-chave do processo.
Uma delas merece especial atenção: Rick Gates, sócio de longa data de Manafort, que trabalhou com ele nos negócios na Ucrânia e na campanha de Trump e que foi indiciado por Mueller em outubro, ao mesmo tempo que o ex-diretor da campanha de Trump.
Ao contrário de Manafort, Gates chegou a um acordo com os investigadores, comprometendo-se a ajudá-los nas várias frentes do inquérito em troca de um alívio na sua potencial sentença.
Consultado pelo site americano Vox, um antigo procurador federal dos EUA explicou que, neste momento, e dada a forma como o caso de Mueller está montado, Manafort só tem duas opções: ou é condenado a prisão ou é alvo de um indulto presidencial pelo seu ex-patrão.
A 17 de setembro, Manafort começará a ser julgado num outro processo, em Washington DC, especialmente focado no trabalho que desenvolveu na Ucrânia. A "Bloomberg" diz que o ex-assessor de Trump deverá aguardar por esse segundo julgamento na prisão.
Mas afinal, o que é que isto tem a ver com a ingerência russa?
Nada disto parece estar diretamente relacionado com a interferência do Kremlin nas presidenciais norte-americanas de 2016, o principal foco da investigação de Mueller, mas as coisas não são bem assim, em particular pela longa carreira que Manafort desenvolveu com políticos ucranianos ligados à Rússia e pelo processo judicial que Deripaska, o oligarca russo que foi seu cliente, abriu contra ele.
A par disso, Manafort é uma figura central na investigação à Rússia pelo papel que desempenhou durante a campanha, em particular em dois momentos distintos. O primeiro deu-se em junho de 2016, quando participou no famigerado encontro na Torre Trump que reuniu o filho mais velho do atual Presidente dos EUA, uma advogada russa próxima do Kremlin e a outras figuras ligadas ao Governo russo.
O segundo tem a ver com os vários contactos que Manafort manteve com elementos russos ao longo da campanha de Trump e enquanto diretor dessa campanha, entre eles Deripaska e Konstantin Kilimnik, ex-funcionário da empresa de Manafort que trabalhou com ele na Ucrânia e que Mueller diz estar diretamente ligado às agências secretas russas (Kilimnik foi indiciado juntamente com Manafort por suspeitas de manipulação de testemunhas, mas continua na Rússia e não deverá sentar-se no banco dos réus nos EUA).
A reforçar a ligação, ainda que indireta, deste julgamento ao inquérito mais abrangente relacionado com a ingerência russa está o documento que o próprio Mueller apresentou em tribunal para abrir o processo que hoje começa a decorrer em tribunal, onde o conselheiro especial cita claramente crimes relacionados com o conluio com os russos durante a corrida eleitoral.
Manafort, lê-se no documento, é suspeito de "ter cometido um crime ou vários crimes ao conspirar com elementos do Governo russo nos esforços do Governo russo para interferir nas eleições de 2016 para a presidência dos Estados Unidos, uma violação da lei dos Estados Unidos". Manafort ainda não foi formalmente acusado de conluio, mas o julgamento que hoje começa poderá trazer mais dados a esta frente da investigação.