16 out, 2018 - 18:26 • Carlos Calaveiras
A 17 e 18 de outubro realiza-se uma cimeira especial dedicada ao Brexit, que pode ser decisiva quanto à forma como se dará a saída do Reino Unido da União Europeia.
Outubro é, precisamente, a data prevista para que Reino Unido e Uniāo Europeia cheguem a um acordo final. No entanto, as negociações não têm sido fáceis e a agência Bloomberg já chegou a admitir que o entendimento poderá chegar só em janeiro de 2019, a dois meses da saída definitiva do Reino Unido, marcada para março. No entanto, outras fontes acreditam que o acordo vai mesmo chegar no final desta cimeira do Luxemburgo.
Certo é que o principal negociador da União Europeia para o Brexit admitiu, esta terça-feira, que "é preciso mais tempo" para alcançar um acordo global com o Reino Unido para a sua saída. Michel Barnier reconhece que subsistem várias questões em aberto.
Já o ministro português dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, confirma que Portugal "trabalha em Bruxelas e em Londres" para que haja um acordo, realçando, no entanto, que Lisboa também está a preparar-se para todos os cenários possíveis.
Ainda nāo se conhecem pormenores, mas as duas partes já terão fechado 80% do acordo. Os 20% que faltarāo definir têm muito a ver com a questão da Irlanda do Norte.
A primeira-ministra britânica, Theresa May, quer um mercado comum para bens industriais e agrícolas, como forma de evitar a criação de postos fronteiriços entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda, algo que seria contrário ao Acordo de Paz de 1998. No entanto, Bruxelas diz que isso colocaria em causa a integridade da UE e critica Londres por estar a querer a liberdade de circulação de bens, rejeitando a liberdade de circulação de pessoas e serviços.
Em troca, a UE propõe que a Irlanda do Norte - província autónoma do Reino Unido - permaneça no mercado comum e na união aduaneira, evitando-se uma fronteira entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda (Estado membro da UE). Theresa May diz que jamais aceitará tal opção porque, isso colocaria em causa a integridade territorial do Reino Unido.
Há outros tópicos que faltam resolver: a questão da futura relação de Gibraltar, relativamente a Espanha; a questão das bases militares britânicas em Chipre, ou as convenções de identificação de origem de produtos, por exemplo.
Mas, e se não houver acordo?
O governador do Banco de Inglaterra já terá alertado, segundo várias fontes, que um não acordo “pode ser tão catastrófico como a crise financeira”. Mark Carney admite, acrescentam as fontes, um “crash” no mercado da habitação na ordem dos 25 a 35%, a queda da libra, a subida da inflação ou um regresso do desemprego aos dois dígitos no país.
E um estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI) apontava, em julho, que, entre UE e Reino Unido, seria precisamente a economia britânica a sofrer mais se não haver acordo. E dava como exemplo uma eventual contração de 4% no PIB britânico “contra” uma perda de, “apenas”, 1.5% dos restantes países da UE.
A saída do Reino Unido da União Europeia deverá significar um agravamento da instabilidade dos mercados financeiros internacionais, com consequências imediatas para os países mais vulneráveis, como Portugal.
Para a economista Paula Gonçalves Carvalho, do departamento de Estudos Económicos e Financeiros do BPI, numa primeira fase, "certamente a instabilidade nos mercados financeiros internacionais se agravaria." Teria também consequências negativas a nível do crescimento económico, na medida em que é uma situação que suscita maior incerteza, podendo refletir-se negativamente sobre o investimento, consumo privado e redução do comércio internacional", considerou em declarações à agência Lusa.
No que se refere às implicações políticas, é de esperar que o Brexit “influencie as dinâmicas internas a vários países", dando como exemplo "uma possível repetição do referendo escocês e os seus impactos noutras regiões com forte propensão independentista", como a Catalunha, ou "o reforço de movimentos soberanistas em países como França, Dinamarca e Holanda", ou ainda a “reação dos partidos eurocéticos no poder nos países do Leste da Europa.
É elevada a probabilidade de serem introduzidos controlos fronteiriços com o Reino Unido e o estabelecimento de novos regulamentos e novos acordos comerciais internacionais, as empresas poderão ter de reavaliar onde e como fazem negócios no exterior. “As empresas que estejam, atualmente, em processos de fusão ou aquisição no Reino Unido, deverão reconsiderar as implicações económicas deste tipo de investimentos, antes de prosseguir com os mesmos.”
A saída do Reino Unido da União Europeia poderá gerar algumas restrições à nova imigração para o Reino Unido e vice-versa. Os cidadãos da União Europeia poderão vir a necessitar de permissão para trabalhar no Reino Unido, com regras semelhantes às vigentes para os cidadãos não-comunitários.
Certo é que os economistas receiam que o Brexit seja mesmo uma ameaça à (frágil) retoma europeia.
No entanto, como é a primeira vez que a Europa se encontra nesta situação e as negociações sobre qual será o futuro relacionamento económico entre o Reino Unido e a União Europeia ainda decorrem são poucas as certezas sobre o que realmente acontecerá no futuro.
E em Portugal?
Antes de mais vamos a contas: Em 2016, ano do referendo, Portugal tinha um volume de exportações de 7.500 milhões de euros para o Reino Unido e um volume de importações de 3.300 milhões de euros. O saldo da balança comercial portuguesa de bens com o Reino Unido era de cerca de 1.600 milhões de euros e em serviços era aproximadamente de 2500 milhões de euros, o que totalizava um saldo positivo de mais de 4.100 milhões de euros. Alguns destes bons resultados estarāo em risco.
Sistematizando: 9,8% é o crescimento médio anual das exportações portuguesas para o Reino Unido nos últimos cinco anos; 2% é o crescimento médio anual das importações provenientes do Reino Unido nos últimos cinco anos; 54% é a fatia que o Reino Unido representa na exportação de viagens e turismo de Portugal; o Reino Unido é o 4º país em termos de investimento direto estrangeiro em Portugal, segundo dados da Lusa.
Para Portugal, o impacto imediato, segundo a economista Paula Gonçalves Carvalho, seria relevante, porque o país continua vulnerável, dependente do setor externo para obter financiamento. No médio prazo, Paula Gonçalves de Carvalho considera à Lusa que "não ocorreria uma quebra imediata, mas certamente haveria alguma diluição do inter-relacionamento entre os dois países".
A maioria das pequenas e médias empresas procuraria outros mercados, mas as que não o fizerem terão novos desafios: burocracia, desalfandegamento e direitos e mais impostos ou aumento dos custos de transporte.
Não há, no entanto, ainda certezas quanto ao impacto de um “no deal” para Portugal. Apesar de pedido desde final do ano passado pelo Parlamento, o Governo ainda não apresentou o estudo sobre o impacto na economia portuguesa da saída do Reino Unido da União Europeia.
Certos serão os cortes dos fundos comunitários porque desaparecem as contribuições do Reino Unido, um dos maiores contribuintes líquidos da UE.
Mas nem tudo é negativo. Poderá haver pontos positivos a aproveitar com o Brexit, nomeadamente se Portugal conseguir atrair algumas das empresas e serviços que vão deixar o Reino Unido. A esse propósito, o Governo criou a “Portugal in”, uma equipa, liderada pelo antigo secretário de estado do Turismo Bernardo Trindade para tentar captar investimentos.
Especialmente atentos ao fim das negociações e ao que realmente vai mudar vão estar os cerca de 500 mil portugueses que vivem atualmente no Reino Unido.
O que já se sabe que muda?
A partir de abril de 2019, quem viajar para o Reino Unido voltará a ter de passar por fronteiras e o respetivo controlo das autoridades. Não é, no entanto, ainda, certo que seja necessário pedir visto. Se isso acontecer, os britânicos também terão de pedir visto para entrar na UE.
Para o turista, o Brexit até pode ser positivo, se se confirmar a desvalorização da libra. No entanto, isto pode ser compensado pela subida de preços.
Pelo menos, se nāo houver acordo, as empresas passarão a necessitar de novas licenças e autorizações e muitos profissionais liberais podem também ter de obter reconhecimento das suas habilitações.
Em dezembro de 2017, o Reino Unido e os outros 27 países chegaram a um entendimento que prevê a proteção dos direitos atuais dos cidadãos europeus. Este regime garante direitos semelhantes aos dos cidadãos britânicos, como o de permanecer no país e de trabalhar sem necessidade de vistos de autorização, e abrange a garantia de acesso às pensões de reforma ou outros serviços sociais. Os direitos serão garantidos para os europeus que já residam no país e que se registem como "residente permanente" ['settled status'] ou de "residente temporário" ['pre-settled status'].
Segundo o Governo britânico, todos os europeus terão de pedir o estatuto de residente, até junho de 2021. O processo é feito de forma eletrónica, cruzando informação com as bases de dados oficiais dos impostos ou da segurança social, após a identificação através de um passaporte ou cartão de identificação válido. Caso não tenham registo nos serviços do Estado, os candidatos poderão fornecer documentos comprovativos de morada britânica, como faturas de serviços ou extratos bancários. Por fim, será analisado o cadastro criminal, sendo considerados graves crimes que tenham resultado em penas superiores a 12 meses e que se tenham repetido num período de tempo.
A saída do Reino Unido da União Europeia está marcada para as 23h00 de 29 de março de 2019. Há depois um período de transição que vai estar em vigor até 31 de dezembro de 2020.