19 out, 2018 - 01:22
A candidatura de Jair Bolsonaro à presidência do Brasil pode ser impugnada se uma denúncia divulgada na Folha de S. Paulo sobre um alegado financiamento empresarial para a distribuição de conteúdo no "WhatsApp" for comprovada, disseram juristas à Lusa.
Esta quinta-feira, o jornal publicou uma reportagem na qual é afirmado que algumas empresas estariam a distribuir em massa, através da rede social WhatsApp, pacotes de mensagens contrárias ao Partido dos Trabalhadores (PT), cujo candidato é Fernando Haddad, sob o patrocínio de apoiantes de Bolsonaro.
Folha de S. Paulo descobriu um contrato de 12 milhões de reais (cerca de 2,8 milhões de euros) de uma empresa que distribuiu este tipo de mensagens.
Ainda segundo o jornal, empresários teriam agido como patrocinadores, incluindo a rede comercial brasileira Havan, cujo dono já foi multado pela Justiça por tentar obrigar os seus funcionários a votarem em Bolsonaro.
Depois de a denúncia se tornar pública, Jair Bolsonaro negou que tenha pedido patrocínio de empresários para distribuir conteúdo no WhatsApp e disse em entrevista ao portal de notícias O Antagonista que não tem controlo do que fazem seus apoiantes.
"Eu não tenho controlo se há empresários simpatizantes de mim a fazer isso. Eu sei que desrespeita a legislação, mas eu não tenho controlo, não tenho como saber e tomar providências", declarou.
Para Renato Ribeiro de Almeida, advogado e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter proibido o financiamento empresarial em campanhas eleitorais, este tipo de prática constitui crime e, mesmo que Bolsonaro negue conhecimento do facto, a sua candidatura está sujeita a punições e até à retirada de mandato caso seja eleito.
"A acusação é muito grave, porque estamos a tratar de uma situação de financiamento empresarial [de campanha política]. Não podemos imaginar que o financiamento empresarial seja tolerável no Brasil, porque existe uma decisão do STF proibindo categoricamente isto. Já vimos no Brasil uma série de escândalos com empresas que financiaram campanhas com interesses não muito republicanos", comentou.
"Se o caso for comprovado, há a caracterização do uso de um recurso [financeiro] não comprovado de campanha, o que efetivamente configura um 'caixa 2' [uso de dinheiro não declarado à Justiça eleitoral]. (...) Se houver provas de que empresas estariam a financiar a candidatura, isto poderia gerar uma multa, cassação do registo [da campanha] ou do diploma [de Presidente do Brasil] caso Bolsonaro vença as eleições", acrescentou.
Marilda Silveira, especialista em direito eleitoral e professora do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), subscreve a opinião de que o candidato da extrema-direita pode ter a candidatura impugnada.
"Se a denúncia de que eles usaram este 'caixa 2' for comprovada, a depender do volume da operação, se isto impactar na legitimidade das eleições, pode até levar a cassação do mandato. A palavra que a lei usa é gravidade. A leitura que o tribunal eleitoral faz desta palavra gravidade é desestabilizar a legitimidade das eleições", disse.
"Verificamos isto pelo tipo de ilícito que foi praticado (...). Se este dinheiro foi gasto em 'caixa 2' tem uma gravidade, se o dinheiro é de 'caixa 2' de uma fonte ilícita a gravidade é maior", adiantou.
A advogada explicou que qualquer brasileiro pode manifestar apoio a um candidato, mesmo empresários podem pessoalmente envolver-se em campanhas, mas há problemas quando empresas contratam outras pessoas para se envolverem na campanha sem prestação de contas.
"Se eles contrataram empresas para se envolverem na campanha e isto não foi declarado por Bolsonaro como doação estimável em dinheiro, ou seja, informar à Justiça que a pessoa não doou dinheiro, mas serviços, isto pode ser considerado 'caixa 2'. Tudo que beneficia uma campanha e não entra na prestação de contas é 'caixa 2'", frisou.
Sobre a alegação de Bolsonaro ao 'site' O Antagonista de que não controla as situações que empresários supostamente fizeram para beneficiá-lo, Marilda Silveira considerou que há um entendimento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que diz que o candidato do Partido Social Liberal pode ser responsabilizado.
"Hoje, a jurisprudência do TSE é de que, mesmo que o candidato não saiba, se houve quebra de legitimidade ele pode ser responsabilizado", concluiu.
Na tarde desta quinta-feira o Partido dos Trabalhadores (PT) entrou com uma ação no TSE contra Bolsonaro, acusando-o da prática de abuso de poder económico e uso indevido dos meios de comunicação.