25 out, 2018 - 17:28 • Mia Alberti, no Brasil
Ana Rita Cunha faz parte de uma de muitas organizações que se propuseram a combater "fake news" durante as eleições presidenciais no Brasil.
Do seu pequeno escritório, no Rio de Janeiro, trabalha incessantemente a rever conteúdos falsos espalhados em massas pelas redes sociais e a verificar a sua veracidade. Ana Rita diz que sempre houve divulgação de "fake news" no Brasil, mas que a velocidade e o impacto da sua propagação tomaram proporções inéditas durante este momento eleitoral.
“Da mesma forma a que as pessoas têm acesso às informações falsas, nós ainda não conseguimos dar acesso ao desmentido, à informação verdadeira”, diz a ativista da "Vamos aos Fatos", uma organização que trabalha em várias plataformas, tendo por maior desafio a aplicação de mensagens. “Como a aplicação é um sistema de troca de mensagens pessoais encriptadas, não conseguimos ver o que está a ser partilhado ou corrigi-lo”, explica.
WhatsApp: a "fonte do mal"
No Brasil, mais de 120 milhões de pessoas utilizam o WhatsApp. Mais de dois terços da população usa as redes sociais como fonte principal de notícias. No entanto, durante as eleições, a plataforma tornou-se um incubador perigoso de informação falsa e um acelerador para a polarização entre os eleitores brasileiros.
A aplicação está agora no centro de um escândalo de financiamento ilegal do candidato Jair Bolsonaro. Uma investigação pelo jornal "Folha de São Paulo" revelou que dezenas de empresas brasileiras investiram milhões de euros para propagar "fake news" no WhatsApp contra o candidato do Partido dos Trabalhadores, Fernando Haddad.
A alegação levou à abertura de duas investigações: uma da polícia federal, para apurar quem realmente está por trás da disseminação de notícias falsas "online", e outra do Tribunal Superior Eleitoral, para averiguar o envolvimento de Jair Bolsonaro no esquema.
“Se se provar que a campanha de Jair Bolsonaro agiu com abuso de poder, ela pode, mediante processo legal, ser cassada, mesmo depois das eleições”, explica o advogado Luiz Felipe Panelli.
No entanto, diz Panelli, é “pouco provável” que uma investigação “tão complexa” esteja completa até ao dia das eleições, dia 28 de Outubro.
A campanha de Jair Bolsonaro já negou qualquer envolvimento com o financiamento de "fake news", alegando que o candidato não precisou de pagar para ter apoio.
Desde o início da campanha, o candidato de extrema-direita dedicou-se às redes sociais para chegar aos seus eleitores, contornando, assim, o pouco tempo de antena que lhe foi atribuído.
Num vídeo publicado nas suas redes sociais, o candidato mostra o seu próprio telefone inundado por milhares de mensagens enviadas para os grupos de WhatsApp. “Já vou responder a todos, vou só beber um café”, diz Bolsonaro. Ele e os filhos são quem muitas vezes interage com os seus eleitores "online", aumentando o sucesso da estratégia.
Se as investigações do Tribunal Superior Eleitoral revelarem o envolvimento de Jair Bolsonaro, ele pode ser afastado da corrida ou da presidência, caso aconteça depois das eleições. À margem do escândalo, a plataforma WhatsApp anunciou que bloqueou vários usuários. Segundo o próprio, um dos filhos do candidato, Eduardo Bolsonaro, foi um dos afectados.
Contudo, o fenómeno das "fake news" não é exclusivo à campanha de Bolsonaro. Também o Partido dos Trabalhadores foi proibido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de partilhar conteúdos falsos.
As "fake news" destas eleições incluem desde a ameaça do “kit gay” escolar (um livro sobre sexualidade que Bolsonaro erradamente disse que seria ensinado a crianças do 1.º ciclo), a alegações falsas de que o vice de Bolsonaro, o general Hamilton Mourão, foi o torturador mais sanguinário da ditadura militar.
Brasil é especialmente vulnerável
Quatro em cada 50 imagens que circulam no WhatsApp no Brasil são falsas, segundo um estudo das universidades UFMG, USP e da agência de verificação Agência Lupa.
O volume deste fenómeno parece ter apanhado de surpresa o TSE. A ministra que chefia o órgão eleitoral, Rosa Webber, disse que o tribunal ainda estava a “tentar entender” o fenómeno. Só depois da primeira volta das eleições, o TSE investiu em retirar e proibir dezenas de "fake news" das redes.
Também as redacções foram surpreendidas com o impacto das "fake news" no seu próprio trabalho. “Nós não estamos preparados para isto”, conta Guilherme Amado, editor de política do jornal Globo e membro da Associação Brasileira de Jornalismo de Investigação (Abraji).
“Mesmo quando a informação é verdade, as pessoas não acreditam”, explica. “Nós mostramos todas as provas e as pessoas recusam a acreditar na verdade. Como é que se convence alguém da verdade?”
O Brasil é um país particularmente propenso a cair na armadilha das "fake news". Segundo Danilo Cersosimo, diretor de Opinião Pública do Instituto Ipsos, o povo brasileuro é, no mundo, o que mais acredita em notícias falsas. Segundo Cersosimo, 62% da população é vítima do fenómeno.
“Os jornalistas também têm a culpa”, diz Amado. “Aqui, no Brasil, usamos demasiados 'off the record', ou fontes sem nome, e isso ajudou a criar um ambiente de desconfiança”, diz.
“O combate à desinformação é um debate muito importante para a democracia actualmente”, diz Ana Rita, enquanto mostra as dezenas de notícias que tem vindo a analisar.
“Se pessoas ou colectivos tomam decisões baseadas em premissas erradas, eles podem gerar consequências no rumo da sociedade que talvez seja o contrário do que eles mesmos querem”, remata.