02 nov, 2018 - 06:00 • Vasco Gandra, em Bruxelas
Fica num bairro residencial e discreto, a uns escassos seis quilómetros das instituições europeias e do centro de Bruxelas. O quartel-general do "The Movement" está instalado numa fausta moradia rodeada por um imponente jardim. É partir daqui que os seus promotores pretendem federar partidos e movimentos populistas e nacionalistas para expandir pela Europa - e pelo mundo - as suas ideias soberanistas, eurofóbicas e anti-imigração.
O "Movimento" resulta de uma aliança entre Steve Bannon, figura da ultra-direita norte-americana, arquitecto da campanha de Donald Trump e seu ex-mentor, com o advogado e político belga Mischaël Modrikamen.
Concretamente, o que é o "The Movement"? "É um clube de líderes populistas que se opõem à globalização, que pensam que é necessário mais soberania para os Estados nacionais, de modo a que os cidadãos possam ter o controlo do seu futuro", responde Modrikamen, em entrevista à Renascença.
"Há hoje na Europa dois campos que se confrontam: o campo globalista, para o qual não há fronteiras e que defende a transferência de competências para instituições supranacionais - a União Europeia ou as Nações Unidas - mesmo que não sejam democráticas, e, depois, há o nosso campo, que faz o caminho inverso e que pensa que os Estados devem conservar o controlo do seu futuro porque é aí que a democracia se exerce".
"The Movement" encara a União Europeia como um bloco não-democrático e os temas que mobilizam o grupo são os clássicos da ultra-direita europeia. O clube tem como ambição "federar os movimentos populistas da Europa e também do mundo" em torno dos princípios da "soberania dos Estados e do controlo das fronteiras, para determinar quem é e quem não é cidadão, dos limites à imigração e, nos planos europeu e americano, da luta contra o islamismo radical", diz Modrikamen.
É um clube selecto - só se entra por convite e após um primeiro encontro. Estão excluídos "movimentos extremistas, racistas e anti-semitas" e, por agora, o "Movimento" está concentrado na Itália, país que considera ser um laboratório das suas ideias.
Recentemente, Modrikamen e Bannon encontraram-se em Itália com Matteo Salvini, o líder nacionalista da Liga e polémico ministro do Interior, e com Giorgia Meloni, do partido ultra-conservador e eurofóbico Irmãos de Itália, que aceitaram integrar o "Movimento".
O advogado belga esquiva-se a dar pormenores sobre possíveis adesões futuras. Ainda assim, reconhece que há contactos com a líder da extrema-direita francesa, Marine Le Pen, com partidos soberanistas em França e ainda com o líder holandês anti-imigração, Geert Wilders, além de partidos e movimentos em cerca de 20 países na Europa e no resto do mundo. Já terá também havido conversas entre o "The Movement" e elementos próximos de Jair Bolsonaro. Modrikamen garante que ainda não houve contactos com partidos ou personalidades em Portugal, mas não exclui que aconteçam.
A experiência de Steve Bannon
A ideia de criar o "Tha Movement" surgiu após a vitória de Donald Trump - que Modrikamen apoiou - e o triunfo do Brexit no referendo britânico. Mas foi só em 2018 que a ideia amadureceu e arrancou verdadeiramente.
Foi Nigel Farage, ex-líder do partido ultra-conservador UKIP e acérrimo defensor do Brexit, que organizou, em julho, um encontro entre Steve Bannon e o advogado belga. Modrikamen diz que ambos se entenderam de imediato e decidiram lançar o movimento político.
O advogado não esconde a importância que o ex-mentor de Donald Trump assume, ainda que por estes dias esteja ocupado com as eleições de "midterm", nos Estados Unidos, onde está a dar apoio a vários candidatos republicanos. "Ele traz a experiência e o prestígio enquanto ex-director de campanha de Trump - em parte, foi ele que o fez eleger - e, depois, como seu principal ex-conselheiro. Também traz capitais importantes".
O clube quer estabelecer pontes entre movimentos populistas e nacionalistas. "Trata-se de pôr sob o mesmo tecto gente que, muitas vezes, não se fala, diz o belga.
"O problema dos soberanistas é que estão cada um no seu país enquanto os globalistas estão organizados, do ponto de vista internacional. Há o fórum de Davos, há a União Europeia, há o grupo de Bilderberg,que tem o apoio da Open Society de Georges Soros..."
Na prática, o "Movimento" deverá fazer trabalho de assessoria, tratamento de dados, fornecer sondagens, conselhos, troca de informação e estratégias a nível de redes sociais.
Próximo objectivo: eleições europeias
Apesar de não ser um partido político, o "The Movement" não esconde a sua próxima ambição: influenciar as eleições de maio para o Parlamento Europeu, estabelecendo pontes entre diferentes partidos para favorecer a criação de um grande bloco anti-UE e anti-imigração no hemiciclo de Estrasburgo.
A fasquia estabelecida faz estremecer os europeístas: "Se conseguirmos um terço [do Parlamento], será um bom resultado", diz Modrikamen.
Segundo o belga, as eleições para o Parlamento Europeu vão funcionar como um teste. "É a primeira vez que as eleições europeias vão ter sentido. Pela primeira vez, duas visões vão afrontar-se. A visão de Macron, Merkel e de outros que defendem mais Europa, menos competência para os Estados e mais transferências de soberania, e nós, que dizemos 'stop'. A União Europeia, tal como funciona, é não-democrática. É necessário dar mais competências e soberania aos Estados", aponta.
Mischaël Modrikamen critica, entre outras coisas, o processo disciplinar que o Parlamento Europeu recomendou contra a Hungria por violação grave dos valores da UE por parte do governo de Viktor Órban, grande defensor do "iliberalismo".
O laboratório político italiano
Os olhos do "The Movement" estão voltados para Itália, onde funciona a experiência de governo de coligação entre a Liga, partido de extrema-direita, e os populistas "anti-establishment" do Movimento 5 Estrelas. O governo de Giuseppe Conte tem-se distinguido pelo endurecimento das políticas migratórias e uma atitude de desafio a Bruxelas, com um orçamento em incumprimento sério dos compromissos assumidos pela Itália.
Mischaël Modrikamen considera a experiência italiana um teste para o seu grupo, por várias razões. "Primeiro, porque são, de facto, as nossas ideias que estão destacadas. É a primeira vez que, num país fundador da UE, os populistas anti-sistema obtiveram uma ampla maioria nas eleições. Além disso, vemos hoje que o apoio ao governo Conte é muito importante. E, depois, demonstraram que podiam actuar, sobretudo a Liga, fechando os portos ao tráfico de imigrantes".
Modrikamen considera a política migratória "o desafio fundamental" das próximas eleições para Estrasburgo. "Todas estas questões de soberania de que falamos são muito teóricas para as pessoas. Pelo contrário, a questão da imigração é muito concreta e os que são a favor da soberania são também favoráveis a decidir quem entra e quem sai do seu território. E, como em geral, seguem o desejo dos seus povos, querem também fechar a porta à imigração de massas, nomeadamente económica, que vem de África por barco", sublinha.
O "Movimento" está a preparar uma série de encontros e contactos até ao final do ano para vir a realizar uma cimeira de líderes populistas em janeiro, possivelmente em Bruxelas.
Resta saber se o clube populista conseguirá alcançar as suas ambições em maio, face à diversidade de movimentos eurocépticos existentes - muitos com prioridades distintas por vezes até mesmo opostas, na economia por exemplo.
Com uma crescente bipolarização para as eleições europeias e com um movimento anti-imigração, eurofóbico e propensoc ao iliberalismo que já prepara a campanha no terreno, espera-se também que os defensores de projecto europeu se façam ouvir, reconhecendo os erros cometidos pela UE mas também - e sobretudo - as suas inúmeras mais-valias.