07 nov, 2018 - 16:16 • Joana Azevedo Viana
As conclusões óbvias da ida às urnas na terça-feira nos Estados Unidos: o Congresso deixou de estar totalmente controlado pelos republicanos e os norte-americanos continuam profundamente divididos.
A conclusão menos óbvia: há importantes mudanças políticas e demográficas em curso no país e esse será um dos fatores-chave nas presidenciais de 2020.
Contactados pela Renascença, três especialistas norte-americanos em eleições e política doméstica fazem uma primeira análise dos resultados das intercalares de ontem.
Dean Smith, investigador da organização Growth & Justice
O resultado destas eleições é um claro voto de não-confiança no Presidente Trump e na sua agenda, voto esse que se torna ainda mais significativo considerando que a participação eleitoral bateu recordes em todo o país [em comparação com eleições intercalares anteriores].
A tomada da Câmara dos Representantes, agora sob controlo dos democratas pela primeira vez desde 2010, espelha o facto de que uma maioria dos americanos sempre reprovou Trump e, acima disso, o 'Trumpismo': a xenofobia e o ressentimento contra imigrantes, o estímulo a ódios raciais, o hipernacionalismo, políticas que favorecem os mais ricos e as grandes empresas e a negação da ciência e das alterações climáticas. É claro que a maioria dos americanos também reprovou Trump e votou contra ele em 2016 [quando foi eleito com menos três milhões de votos populares do que a rival democrata, graças ao sistema eleitoral norte-americano e, em particular, à existência do Colégio Eleitoral].
Os ganhos do Partido Republicano nas eleições para o Senado -- desfavoráveis desde o início para os senadores democratas que venceram em estados republicanos quando Barack Obama foi reeleito em 2012 -- confirmam e exacerbam a crescente divisão regional da América entre estados vermelhos [republicanos] e azuis [democratas], entre áreas urbanas e suburbanas, entre áreas rurais e subúrbios das cidades, entre homens brancos e velhos e todas as outras pessoas.
No Minnesota, os democratas voltaram a ganhar todos os cargos estatais a concurso (sete no total); desde 2006 que nenhum republicano ou conservador conseguiu ganhar corridas estatais aqui.
Joshua Blank, investigador do Texas Politics Project
Com os democratas sob controlo da Câmara dos Representantes, podemos esperar restrições mais robustas ao Presidente Trump. Há uma longa lista de tópicos que as comissões da Câmara controladas pelos democratas vão investigar, entre outras a ingerência da Rússia nas eleições norte-americanas, as finanças do Presidente e uma série de ações que foram tomadas pelo ramo executivo [desde a tomada de posse de Trump].
Apesar de os resultados destas eleições se traduzirem em mais freios ao Presidente, Trump tem agora mais margem para apontar o dedo à Câmara sob controlo democrata. E ainda ninguém provou que consegue encorajar queixas [do eleitorado] de forma tão eficaz quanto o Presidente.
Se olharmos para os resultados eleitorais a partir de expectativas realistas, podemos dizer que foi uma boa noite para os democratas do Texas [apesar da derrota de Beto O'Rourke pelo senador republicano Ted Cruz]: conquistaram dois assentos na Câmara e dois assentos no Senado estatal, roubaram 12 assentos aos republicanos na Câmara dos Representantes estatal e tiveram um melhor desempenho do que em qualquer outro momento na memória recente.
Falar de uma onda azul (democrata), como alguns analistas fizeram antes das eleições, é uma metáfora inexata. Os democratas passaram de perder por 22 pontos em 2014, para uma perda de nove pontos em 2016 e de três em 2018. Podem não ter vencido corridas estatais, mas a política texana está definitivamente a mudar agora que faltam dois anos para as presidenciais.
Didi Kuo, investigadora no Center on Democracy, Development, and the Rule of Law da Universidade de Stanford
Normalmente o partido do Presidente perde assentos na Câmara dos Representantes em anos de intercalares, portanto o que aconteceu na terça-feira à noite não fugiu ao padrão típico.
Com o controlo da Câmara, os democratas têm agora a capacidade de exercer supervisão em nome do Congresso e dar início a investigações e audiências. É improvável que dêem início a um processo de destituição [do Presidente]. Em vez disso, provavelmente vão começar a investigar a interferência da Rússia nas eleições, as ligações financeiras de Trump e eventuais delitos que ele possa ter cometido.
Os democratas também vão poder propor legislação relacionada com temas que alimentaram as suas campanhas, incluindo propostas para reforçar o Affordable Care Act [mais conhecido como Obamacare, o programa de cuidados de saúde universais lançado pelo antecessor de Trump que os republicanos e a atual Casa Branca querem desmantelar] e para mais controlos de armas de fogo. Contudo, com os republicanos ainda sob controlo do Senado, é improvável que consigam ver qualquer projeto-lei aprovado.