08 nov, 2018 - 00:03 • Graça Franco (Renascença) e Ana Sá Lopes (Público)
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A era Merkel está a acabar. O nome carinhoso que os alemães dão a Merkel é “Mutti”, que quer dizer mamã. De certa forma Merkel foi a mamã da UE nos últimos anos. O que vai acontecer à União Europeia quando perder a mamã?
Todos os políticos podem ser substituídos. É normal que isso aconteça. Acho até extraordinário que o povo alemão, ao fim de tantos anos, continue a ter a mesma líder. Há agora uma fadiga do povo em relação à líder e isso é normal. Mas ela é realmente uma mulher que marcou a Europa para o bem e para o mal. Mas acho que o seu ponto está correto, sobretudo nos refugiados, que foi aquilo que a fragilizou na política alemã...
Que a matou, de certa maneira.
Penso que não foi só isso. Foi também o cansaço. Vivemos num mundo mediático instantâneo em que os políticos vão e voltam e a Alemanha conseguiu ter esta política durante mais de 10 anos sempre a liderar.
Há na Europa quem a possa substituir nessa missão de liderança?
Temos neste momento um presidente francês muito forte. Os próprios europeus, que muitas vezes olhavam para França com reticências, hoje olham com esperança. A minha mulher é francesa e diz-me que é a primeira vez que houve falar bem de França fora de França. Macron criou uma dinâmica positiva extraordinária mas a Europa só funciona com dois motores e, quer queiramos quer não, são a Alemanha e a França. E quando um está desligado a coisa não funciona. É muito difícil pensar numa Europa em que há um só líder. E quando isso aconteceu com a senhora Merkel e a França não estava a funcionar as coisas também não correram bem.
Merkel não conseguiu travar a extrema-direita na Europa. A sua saída de cena de Merkel coincide com uma regressão clara dos partidos tradicionais. Isto pode ser um momento de colapso desse centro mais moderado?
Não acredito que seja um momento de colapso. Tenho uma grande esperança no futuro da Europa. Quando passamos aqui pela Web Summit e vemos estes jovens todos a querer transformar o mundo com as novas tecnologias isto dá um otimismo extraordinário. O meu pessimismo é mais no papel que a tecnologia está a ter na democracia. A tecnologia ajuda-nos a viver melhor e a curar doenças mas não nos tem ajudado nas nossas democracias.
Precisamos de uma liderança para uma internet boa. E essa liderança é a Europa que a está a levar para a frente.
O que é que falhou no ideal europeu para não ter estancado os populismos? Os dirigentes não se distanciaram do cidadão comum e fecharam-se em torres de marfim?
Talvez. Eu acho que nos últimos 20 anos, os políticos disseram às pessoas que podiam fazer milagres. Ora, os políticos não fazem milagres. E quando as pessoas descobriram que os políticos lhes prometiam postos de trabalho que não conseguiam inventar, revoltaram-se e disseram: “Então vamos trocar”. Acho que as pessoas querem algo de novo porque os políticos também, de certa forma, não se fizeram respeitar.
Em princípio vai haver Brexit em 28 de Março. Acha que neste momento é possível uma Europa com um não acordo com Theresa May?
É uma das grandes preocupações que tenho. Neste momento não podemos dizer se vai haver ou não acordo. Não temos a certeza. Do lado europeu fizemos todo o esforço possível. A questão agora é onde é que fica a fronteira da União Europeia. É uma decisão muito difícil. Para a fronteira ficar entre a Irlanda do Norte e a Irlanda temos um problema gravíssimo. Há pessoas que têm as suas vacas de um lado da fronteira e a sua casa do outro lado. É impossível haver uma fronteira entre a Irlanda e a Irlanda do Norte. Como é que vamos resolver este problema? Eu espero que os líderes consigam chegar a um acordo.
Não há uma vaga esperança que possa haver um segundo referendo no Reino Unido?
O Reino Unido é um país onde as pessoas, quando tomam uma decisão, querem que essa decisão seja respeitada. Não penso que um novo referendo seja possível.
Como é possível ver a Europa sem o Reino Unido?
É muito preocupante porque o Reino Unido era uma peça de equilíbrio muito importante deste motor franco-alemão, um país muito pragmático, racional e que de certa forma obrigava a máquina europeia a essa racionalidade. Vejo primeiro com tristeza e com alguma preocupação a saída do Reino Unido. É mau para os dois lados. Mas neste momento temos que viver com isso. Qual é a minha esperança? Que dentro de 10 anos consigamos ver o Reino Unido voltar. Qual é a minha segunda esperança? Conseguir um acordo em que o Reino Unido está fora mas de certa forma está dentro. Isso é que é a grande dificuldade.
Esta semana, os comissários mandaram para trás a proposta de Orçamento da Itália. Se a Itália insistir em não cumprir as regras qual é a solução?
É muito difícil. Eu acho que estamos a entrar num jogo muito perigoso porque obviamente não podemos aceitar aquilo que era o orçamento italiano. Agora, tenho esperança que haja algumas mudanças e que a Itália possa reenviar esse Orçamento...
Mas eles prometeram ao povo que não reenviavam nada que cumprisse as regras...
Então a questão é o que é que se vai fazer. Vai-se abrir um procedimento por défice excessivo? Vamos multar? Isso ninguém sabe. Entramos aqui num momento muito complicado para a Europa. Se me perguntar entre o Brexit e a Itália, eu preocupo-me mais neste momento com a situação de Itália, o que vai sair daqui, qual vai ser o resultado disto tudo. Mas continuo a acreditar que consigamos chegar a algum acordo com o governo italiano.