29 nov, 2018 - 12:08
O diretor do Departamento de Genética da Universidade Nova de Lisboa, José Rueff Tavares, considera pouco provável, ou até mesmo impossível, que a experiência de criar bebés geneticamente modificados, anunciada na segunda-feira, fosse realizada em Portugal.
O diretor do Departamento de Genética da Universidade de Lisboa.
“Eu diria que era impensável, porque estamos bem munidos de comités e conselhos de ética, quer nos hospitais, nas faculdades de medicina, e não só, quer nas universidades. Portanto, não há nenhum projeto que possa ser realizado sem ter o conhecimento e a autorização prévia do conselho de ética respetivo”, explica.
José Rueff Tavares esteve na Manhã da Renascença para comentar o anúncio feito pelo cientista chinês He Jiankui, que afirma ter criado os primeiros bebés geneticamente modificados, garantindo assim aos embriões resistência a infeções por VIH.
O diretor do Departamento de Genética da Universidade Nova de Lisboa sublinha que “qualquer trabalho científico ou médico só conhece a sua validade quando é disseminado em revistas científicas ou apresentado em congressos”. E, do que é conhecido, “o investigador responsável diz que não pode publicar por razões que não são profundamente claras e nem sequer o difundiu em nenhum congresso”.
“Acresce que as próprias revistas científicas, cada vez mais, exigem, para aceitar um artigo, que diga expressamente no corpo do artigo que ele foi visto por um conselho de ética”, adianta, lembrando que a própria universidade em que He Jiankui trabalha já veio dizer “que se demarcava desta suposta experiência” e “que não tinham conhecimento” dela, o que “é gravíssimo”, refere Rueff Tavares.
Assim, sendo, conclui, toda a experiência foi feita “um pouco à revelia do que é o procedimento normal em investigação científica e em investigação médica” e pode mesmo “não ter acontecido”, sendo que “era caso para dizer, oxalá não tivesse acontecido”, acrescenta.
Consequências imprevisíveis para gerações futuras
Fazer algo para tornar as crianças mais resistentes a doenças parece, à partida, uma boa notícia, mas neste caso não é bem assim, porque o sistema utilizado não garante o sucesso e pode mesmo haver consequências não previstas.
“Não há ainda garantias de que não possa haver alterações em outro ponto do genoma – é a mesma coisa que fazermos tiro ao alvo com uma pistola”, compara o diretor do Departamento de Genética da Universidade Nova.
Logo, “não é garantido que não haja” consequências imprevistas, “de mais a mais, em células no início do seu desenvolvimento”.
É que, ao poder introduzir “alterações em outros pontos do genoma” pode trazer efeitos que “só se saberá um dia. Pode ser uma doença de aparição tardia – uma neoplasia, por exemplo, um cancro”, exemplifica.
Além disso, “ao alterar células no embrião, está-se a alterar a totalidade das células do indivíduo” e pode haver “outras consequências na própria regulação do sistema imunitário”.
“Logo, o método utilizado, além de poder introduzir mutações eventualmente não desejadas em outras células, com consequências que não podemos prever, pode, a própria alteração neste recetor, embora teoricamente confira resistência ao vírus da imunodeficiência adquirida, eventualmente desregular o sistema imunitário”, resume.
José Rueff Tavares não hesita, por isso, em afirmar que a experiência, se foi de facto realizada, revelou “uma atitude temerária nas suas consequências”. Ainda por cima quando “há outros métodos de profilaxia da infeção pelo vírus HIV. Não é necessário, de todo, arriscar tanto”.