02 dez, 2018 - 12:57 • Maria João Costa
“Infelizmente a literatura e a beleza podem pouco perante isto, porque o poder, quem o tem, é carrasco. Não se consegue partilhar Humanidade com essas pessoas”, afirma Lídia Jorge à Renascença.
O México tem estado no foco das notícias ao nível mundial por causa da caravana de migrantes que atravessou o país e que agora está concentrada na cidade de Tijuana. Milhares de pessoas esperam atravessar a fronteira para entrar nos Estados Unidos.
Mas, do outro lado o muro, a ordem é para manter as portas fechadas. Dentro da Feira Internacional do Livro de Guadalajara, onde Portugal é o país convidado, a questão inquieta escritores, como a portuguesa Lídia Jorge.
A autora recorda o seu último livro “Estuário”, para dizer que a obra “prevê” o que está a acontecer. “É um mundo desgovernado em que os países ficam acastelados, amuralhados defendendo os seus direitos, sem querer abrir as portas. E a outra parte do Mundo, numa espécie de imagem bíblica faz o êxodo permanente”, afirma a autora, que se tem multiplicado em entrevistas e sessões nestes dias de feira.
“Tenho escrito imenso sobre esta situação e infelizmente está a acontecer aquilo que muitos escritores previam e que nós, qualquer pessoa comum, olha para o desencontro do mundo que se está a viver percebia que ia acontecer”, lamenta Lídia Jorge.
Indignada com o que está a acontecer no mundo e em particular no México, Lídia Jorge defende que “seria necessário, uma espécie de sublevação daqueles que acreditam que o diálogo e a partilha é que valem. E sobretudo voltar ao pensamento de Albert Camus. Se por acaso achamos que estamos sozinhos no mundo, há uma certeza: é que nos temos uns aos outros.”
Numa espécie de grito de alerta, Lídia Jorge afirma não compreender “como é que não nos sublevamos todos. Estamos aqui e não nos sublevamos”.
A autora conclui, contudo, que “talvez a literatura seja a forma silenciosa da sublevação” e acrescenta: “O que tenho medo é que ela não seja suficientemente forte e ativa para fazer parar aqueles que estão ali, proibindo os que estão em Tijuana de entrar num terreno onde há fartura, onde as coisas estão organizadas e onde com facilidade se podia ajudar essas pessoas.”
A autora que está integrada na comitiva de 40 autores que representaram Portugal nesta que é a segunda maior feira do livro do mundo, faz um balanço da participação na feira.
De acordo com o seu olhar, “a feira é impressionante pela sua grandeza e dimensão.” A autora de “A Costa dos Murmúrios” explica à Renascença que o que a toca muito, “é a população porque de facto o livro é um objeto da nossa civilização”, mesmo quando hoje em dia tem tanta concorrência. Na opinião de Lídia Jorge, “o livro não vai perder o seu campo porque estão a investir imenso nos leitores jovens” e nas suas palavras “dá uma grande esperança”, embora na “Europa estejamos a viver uma espécie de decréscimo, felizmente aqui estamos a ver um movimento quase oposto em que o livro aparece como um objeto quase sagrado”.