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Coletes Amarelos

“Não sou a favor destes movimentos e lamento muito o que se passa”, diz escritor francês Olivier Rolin

11 dez, 2018 - 12:09 • Maria João Costa

Finalista do Prémio Goncourt, o escritor Olivier Rolin está em Cascais, numa residência literária. O autor de “Porto-Sudão” lamenta a violência e o que está a acontecer no seu país com o movimento dos "coletes amarelos". Entrevistado em Viseu, no Festival Tinto no Branco, Rolin fala sobre os migrantes na Europa. Mostra-se a favor dos refugiados políticos, mas contra os refugiados económicos. A estudar português, Olivier Rolin diz que “Desassossego” é a sua palavra preferida.

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Há dois meses em Portugal, o escritor francês Olivier Rolin aventura-se a falar português no início da nossa conversa. Mostra-se “muito reconhecido” a Portugal e, em especial, ao seu editor João Rodrigues, da Sextante, “porque Portugal é o país onde todos os [seus] livros estão traduzidos”, “todos, menos o primeiro”, diz o autor em entrevista à Renascença, em Viseu, onde esteve a participar no Festival Tinto no Branco.

O autor, que venceu, em 1994, o Prémio Femina, com o livro “Porto-Sudão” agora reeditado em Portugal pela Livros do Brasil, revela que a palavra que mais gosta em português é “desassossego”. A culpa é de Fernando Pessoa, admite, mas apressa-se a explicar que “também porque é um sentimento que muitas vezes” sente. Este desassossego é o que nos leva a questiona-lo sobre a atual situação vivida em França, com o movimento dos coletes amarelos nas ruas.

A viver em Cascais nos últimos meses onde está numa residência literária, Olivier Rolin explica-nos que as notícias que vê fazem-lhe “mal”. O autor de “O Meteorologista” lamenta aquilo que se passa e condena a violência. Nas suas palavras “há uma espécie de ódio às elites que é algo muito perigoso. Há também muita gente que odeia Paris, como capital, como uma bela cidade onde há espetáculos e intelectuais” Na sua opinião “Tudo isso, é muito perigoso”.

França não é “o país mais pobre do mundo, por isso quando as pessoas dizem que mal podem sobreviver”, o escritor diz não acreditar “nisso de modo geral”. O autor que passou grande parte da sua infância em África diz que “os impostos são um princípio republicano” e clarifica: “não estamos a falar dos impostos do tempo dos reis. Claro que acho que a transição ecológica é algo necessário, mas não sou de todo a favor destes movimentos e lamento muito o que se passa.”

Migrantes políticos sim, os económicos não

Olivier Rolin é um escritor muito viajado, mas recusa a ideia de que a sua escrita seja de viagens. Em Cascais onde está desde outubro a convite da Fundação Dom Luís I a realizar uma residência literária tem consigo cerca de 60 cadernos com notas de viagens. Eles são a base para a escrita do novo livro.

A este cidadão do mundo pedimos um olhar cuidado sobre o que se passa hoje na Europa com a crise de migrantes. Ele que conhece a África islâmica diz-nos que é “a favor do acolhimento de todos os refugiados políticos, aqueles que são perseguidos, os que arriscam a vida por diversas razões.” Contudo, Rolin põe o dedo na ferida quando diz que “é preciso olhar para á frente e ver que há um verdadeiro problema com o Islão”.

Na opinião do autor de obras como “Veracruz” e que em 2010 foi distinguido pela Academia Francesa com o Grande Prémio de Literatura Paul-Morand, “é muito difícil conjugar o Islão com a democracia, da forma com nós a entendemos, por exemplo, em matéria de igualdade de géneros entre homens e mulheres.” Olivier Rolin relembra os “problemas em França com o islão” e refere as “centenas de pessoas” que já morreram em ataques terroristas.

“Eu sou mais hesitante do que todos os intelectuais em França que dizem que devemos acolher toda a gente, todos os que vêm do Sudão e da Eritreia. Eu não tenho a certeza disso. Em França já mataram centenas de pessoas. Eu tenho medo disso, reconheço. Por isso considero que a questão da emigração deve ser tratada com muitas medidas.”

A opinião de Olivier Rolin é coincidente com a do Presidente francês. “Emmanuel Macron disse que deveríamos acolher todos os refugiados políticos, mas que não poderíamos acolher todos os refugiados económicos, acho que teve uma posição razoável. Irritou todos os intelectuais, mas acho que é uma posição razoável” aponta o escritor francês

Próximo livro vai chamar-se “Peregrinação”

Olivier Rolin é o primeiro de cinco escritores a protagonizar a “Residência Internacional de Escrita Fundação Dom Luís I” em Cascais. Depois dele, virão o americano Michael Cunningham, o britânico Jonathan Coe, o espanhol Javier Cerca e o cabo-verdiano Germano Almeida. Para esta estadia de dois meses na vila de Cascais, Rolin veio acompanhado por notas do seu passado guardadas em seis dezenas de cadernos.

“Estou a escrever um livro que comecei antes de vir para Portugal” conta-nos o autor em Viseu. Ele que foi finalista do Prémio Goncourt com os livros “Tigre de Papel” e “Um caçador de Leões” diz que tem “trabalhado muito bem” em Portugal e refere as “condições ótimas” que já lhe permitiram escrever “130 páginas”. Contudo, não irá acabar o livro em Cascais, mas nele já incluiu algumas estórias que estavam inscritas nos cadernos que trouxe como matéria para escrever.

Os cadernos que mantém “há cerca de 35 anos”, durante quase toda a sua vida como escritor guardam memórias, mas Rolin faz questão de sublinhar que o próximo livro não será um “livro de memórias”, nem um “livro de viagens”. O autor publicado em língua portuguesa pela Sextante, antevê que a sua próxima obra seja “uma espécie de mosaico de cenas passadas em vários países do mundo, exceto em França. Não há qualquer referência a França”.

À Renascença, o escritor que nasceu em 1947, recorda uma das notas dos cadernos que saltou para o livro. “É a história de uma mulher que conheceu Franz Kafka. Algo raro!” aponta Rolin. O autor lembra que este encontro aconteceu “em Praga, numa altura em que a cidade era ainda comunista e muito triste”. É nos “pequenos detalhes”, explica o escritor que se detém. Outra das notas dos seus cadernos que saltou para o novo livro “é um retrato de uma mulher” que o autor conheceu num “comboio. Ela estava a fumar! Ainda se podia fumar no comboio”. Estas mudanças que, entretanto, aconteceram também lhe interessam como matéria literária.

“É uma viagem pelo mundo e ao interior da minha vida” é com esta frase que Olivier Rolin resume o livro que irá resultar da sua estadia em Portugal. Uma coisa já é certa para o autor. O título é contaminado pela literatura portuguesa. A obra vai chamar-se “Peregrinação”, um título inspirado na obra de Fernão Mendes Pinto.

As ligações de Olivier Rolin à escrita portuguesa são mais profundas. Nesta entrevista, o autor francês recorda as várias viagens que foi fazendo ao longo da sua vida a Portugal e nas quais foi conhecendo vários escritores nacionais. José Cardoso Pires é o primeiro nome que recorda e por quem diz ter tido “muita simpatia”, seguem-se Lídia Jorge, António Lobo Antunes e José Saramago. Olivier Rolin faz ainda referências à forma como viu a cidade de Lisboa mudar ao longo dos anos, mas o seu olhar muda quando fala sobre o Rio Tejo, os barcos e o seu porto. “Amo a frente ribeirinha de Lisboa”, conclui o autor nesta entrevista.

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