04 jan, 2019 - 13:06 • Filipe d'Avillez
O navio Sea Watch 3 resgatou, a 22 de dezembro, 32 migrantes ao largo da Líbia e, desde então, tenta obter autorização para aportar, mas nenhum país europeu deu ainda "luz verde".
A Renascença falou esta sexta-feira com Robin Jenkins, um voluntário abordo do Sea Watch, que diz que, ao fim de duas semanas, a principal preocupação a bordo prende-se com o estado de saúde mental dos refugiados.
“Felizmente, eles estavam em boas condições quando os resgatámos. E mantêm-se. Estão confinados, mas não faz bem a ninguém estar preso no mesmo local há duas semanas. Têm comido mais ou menos a mesma coisa todos os dias e temos muitos casos de enjoo e de desidratação, mas, no geral, a saúde física até é boa. A saúde mental, por outro lado, não está.”
Robin Jenkins, um galês de 45 anos, explica que se não fosse a intervenção da tripulação do Sea Watch, o mais certo é que estas 32 pessoas, entre as quais se incluem quatro mulheres, um bebé, duas crianças de seis e sete anos e três menores desacompanhados, de 14, 15 e 17 anos, teriam morrido.
“O barco deles estava avariado, a cerca de 40 milhas náuticas da costa da Líbia. Era uma embarcação insuflável com um motor exterior de 25 cavalos. Estava em péssimo estado, estão sempre, mesmo quando partem das praias. Não são feitas para o alto mar e são construídas por pessoas cínicas que descobriram este nicho de mercado e as fabricam com a menor qualidade possível. Acredito que se não os tivéssemos localizado, as suas hipóteses de sobrevivência seriam quase nulas.”
Portugal não é opção
Desde que os migrantes foram resgatados, há duas semanas, nenhum dos países da costa mediterrânica da Europa tem aceite recebê-los.
Robin Jenkins admite que não está envolvido nas negociações, mas com a sua experiência acredita que a possibilidade de rumar a Portugal não é opção.
“Talvez se pudesse considerar. O nosso navio tem capacidade para longa distância, é bastante rijo, mas estamos no inverno e entrar no Atlântico não é o melhor cenário para este tipo de situação, com 32 pessoas a bordo, nas condições em que eles estão”, diz.
Com anos de experiência a fazer salvamentos, tem dificuldade em aceitar as recusas dos países europeus que já foram contactados. “Eu sou tripulante voluntário no Reino Unido com a Royal National Lifeboat Institute, desde os meus tempos de estudante. Atualmente faço parte da tripulação de um navio que opera em Londres, no Tamisa, que é o principal posto do Reino Unido, e já estive envolvido em mais de 100 operações de resgate, mas este é um caso à parte”, lamenta.
“Nunca me aconteceu retirar uma vítima da água e ser-nos negado um porto seguro para deixar as pessoas. É uma vergonha estar sequer nesta situação e não abona nada a favor das pessoas que se encontram em posições tão vulneráveis na Líbia.”
Á medida que na Europa tem subido de tom o sentimento contra os imigrantes ilegais, organizações como a Sea Watch, que operam no Mediterrâneo a salvar pessoas em perigo, têm sido acusadas de promover a imigração e comparados a traficantes. Robin Jenkins sabe disso, mas diz que não tem qualquer interesse na questão política.
“Eu sei que há pessoas que pensam que nós acabamos por encorajar os migrantes a tentar fazer esta passagem, mas não é por isso que cá estamos. Estamos cá porque a maioria dos tripulantes tem respeito universal pela vida humana e a ideia de que pessoas possam afogar-se no mar, desnecessariamente, por causa de políticas europeias, é inaceitável.”
“Eu não ganho nada com isto, não me interessa a questão política. Eu tenho experiência em salvações no mar, tenho as capacidades para o fazer e sinto a obrigação moral de fazer isto”, diz o voluntário.
“Toda a pesquisa sugere que estas pessoas tentarão atravessar, independentemente do perigo. A Líbia é um inferno. É um país sem lei e as histórias que temos ouvido dos nossos passageiros, ficarão comigo para sempre. É um país repleto de exploração, onde as pessoas são escravizadas, torturadas, violadas e sofrem horrores. Quando falamos com elas dizem-nos que preferem tomar este gigantesco risco de embarcar do que passar mais uma sequer na Líbia”, conclui Robin Jenkins.
Em declarações reproduzidas pela Reuters, Bob Kiangala, um dos migrantes diz que não compreende o que se passa. "Estamos neste navio e não sabemos o que está a acontecer. Não somos peixes, não somos tubarões, somos humanos como toda a gente. Fizemos esta travessia, arriscámos as nossas vidas para chegar à Europa e agora que chegámos a Europa recusa-nos, e não compreendemos porquê".
[Notícia atualizada às 14h22, com declarações de um dos migrantes]