15 jan, 2019 - 20:01 • Joana Azevedo Viana
A votação devia ter acontecido em meados de dezembro, altura em que Theresa May decidiu adiá-la por antever um redondo "não" ao acordo de saída que negociou com Bruxelas. Um mês depois, provou-se que a jogada não lhe serviu de nada: esta terça-feira, o antecipado "voto importante" do Brexit aconteceu e uma maioria dos deputados votou contra esse acordo.
Foi a maior derrota de um Governo britânico na Câmara dos Comuns desde 1924, uma que vem aumentar ainda mais a incerteza quando faltam pouco mais de dois meses para o Reino Unido sair da UE.
Posto isto, o que vai acontecer a seguir? À Renascença, Eunice Goes, professora da Universidade de Richmond, em Inglaterra, explica que a primeira-ministra tem agora três dias parlamentares para levar uma nova proposta a votos no Parlamento.
Já se sabe que enfrentará uma moção de censura, apresentada no rescaldo da votação pelo Partido Trabalhista - uma à qual May vai sobreviver, garante a especialista em política britânica. Para Eunice Goes, a possibilidade de não haver Brexit é a mais remota de todas.
Quando faltavam seis meses para a saída da União Europeia, defendeu que a hipótese de não haver Brexit era a mais improvável. À luz dos mais recentes acontecimentos, mantém essa opinião?
Mantenho essa opinião. Acho que há sempre a possibilidade de o Reino Unido permanecer na União Europeia, mas acho que essa probabilidade é pequena, tendo em conta para onde é que as forças políticas se dirigem.
"Estamos perante um período de grande conturbação e instabilidade no Reino Unido"
O Partido Trabalhista, que poderia ter tido um papel bastante importante em promover a organização de um segundo referendo, tem tido um papel bastante conservador no sentido de não contestar a narrativa da primeira-ministra. Se a oposição tivesse tido um papel mais forte em fazer campanha para um novo referendo, onde a opção de permanecer na União Europeia fosse uma opção, acho que aí as possibilidades seriam muito mais fortes.
Dito isto, é evidente que o voto desta noite abre de novo essa possibilidade de um novo referendo. Mas o que temos agora é quase uma dicotomia: por um lado, temos uma ala conservadora que está a torcer para que não haja acordo, e essa é uma ala que tem vindo a crescer no Partido Conservador, e temos, por outro lado, todos aqueles que vão votar contra o plano de Theresa May e que estão à espera que isto abra caminho à organização do referendo.
Estamos perante um período de grande conturbação e de instabilidade no Reino Unido, o que aliás tem sido a tónica nestes últimos dos anos e meio.
Este potencial segundo referendo incluiria a possibilidade de permanência do Reino Unido na UE?
O referendo teria sempre essa opção de permanecer, agora a questão é: será um referendo com duas perguntas ou com três perguntas? Se houver três perguntas a coisa torna-se muito mais complicada: aprovar um acordo da primeira-ministra, ficar na UE ou sair da UE.
Se houver estas três opções, a possibilidade de qualquer uma delas ter maioria é bastante fraca. Irá haver uma grande pressão da bancada conservadora, se houver um novo referendo, para que haja três perguntas precisamente por essa razão.
"Theresa May tem três dias parlamentares para conceber um novo plano e esse plano será novamente sujeito a votos na Câmara dos Comuns"
Se houver duas perguntas, não é de todo garantido que a permanência ganhe. A opinião pública tem vindo a mover-se nesse sentido, agora o que nós não sabemos é qual é que vai ser o potencial de revolta popular se o Brexit for frustrado com o voto e com a promessa de um novo referendo. Isso são tudo imponderáveis.
Com o chumbo do acordo de saída nos termos em que May o negociou com Bruxelas, o que podemos esperar no rescaldo desta votação?
O que vai acontecer é que a primeira-ministra vai voltar a Downing Street e tem três dias parlamentares - que no fundo lhe dão até segunda-feira - para conceber um novo plano e esse plano será novamente sujeito a votos na Câmara dos Comuns.
Ninguém sabe o que é que vai ser o conteúdo desse plano, porque está dependente de potenciais concessões que a União Europeia possa fazer, particularmente em relação à questão da Irlanda do Norte. Este é o cenário mais imediato, um novo voto na próxima semana.
Confirmado o chumbo, Jeremy Corbyn cumpriu a promessa de apresentar uma moção de censura ao Governo. Há hipóteses de a moção ser aprovada?
Não. Isto vai fazer perder mais tempo ao Parlamento porque é altamente improvável que o Governo perca essa moção. A bancada conservadora e o partido da Irlanda do Norte [DUP] que tem apoiado Theresa May já disseram que a apoiarão nessa moção de censura. Portanto, o que vamos ter mais é perder tempo e, no entretanto, o 29 de março aproxima-se.
Mário Centeno, na qualidade de presidente do Eurogrupo, deu a entender hoje que há margem para negociar "outro acordo" com o Reino Unido. Dada a posição intransigente da União Europeia ao longo das negociações, que outro acordo podemos vislumbrar?
Acho que a intervenção de Mário Centeno é bastante interessante, porque de certo modo está a adivinhar uma alternativa àquilo que tem sido a posição extremamente unida da Comissão Europeia e do principal negociador da União Europeia com o Reino Unido.
Haverá margem de manobra para negociar uma nova declaração de intenção mas, na base geral, o acordo não pode ser negociado, portanto o que foi acordado não será alterado.
Não sei se Mário Centeno falou com alguma espontaneidade ou se reflete uma mudança de opinião de Bruxelas. De momento parece-me que é à margem, uma visão alternativa àquela que tem sido a postura de Bruxelas nesta questão.
“Prazo de validade de Theresa May enquanto primeira-ministra é extremamente curto. Perdido este voto, vai deparar-se com um desafio à sua liderança e há a perspetiva de novas eleições”
Ontem, o presidente da Comissão Europeia dizia que estão dispostos a serem mais flexíveis na questão do "backstop" para a Irlanda do Norte quanto aos prazos e à sua legalidade, mas que os princípios do acordo que foi negociado não vão ser alterados de maneira nenhuma.
E é importante também termos alguma noção do que é que esse acordo constitui; isto é apenas uma base para negociar a saída, a relação futura do Reino Unido com a UE não foi negociado e isto no fundo é o que importa.
Isso é que o que ainda está em aberto.
Está completamente em aberto e acho que aí as possibilidades são imensas, desde o modelo canadiano ao modelo norueguês passando por outras mais radicais, as possibilidades são enormes e ainda não foram debatidas a sério, nem pela UE nem pelo Governo britânico.
Há pouco falávamos das declarações algo surpreendentes de Mário Centeno e o mesmo aconteceu ontem com Theresa May, quando disse que, se o acordo fosse chumbado, havia a séria possibilidade de o Reino Unido não abandonar a UE. O que podemos retirar desta afirmação da primeira-ministra?
O que ela tentou fazer com essa declaração foi, de certa maneira, exercer alguma pressão sobre a bancada conservadora e dizer-lhes: se não votarem a favor do meu acordo, o Brexit não vai acontecer, o que é uma perspetiva que aterroriza quase toda a bancada conservadora, que quer que o Reino Unido saia da UE o mais depressa possível.
É uma forma de chantagem, acho que as declarações não têm mais nenhum outro significado para além dessa pressão para tentar obter o resultado que queria. Foi, no fundo, uma medida desesperada e que reflete o seu desespero.
Uma outra coisa que é importante lembrar é que o prazo de validade de Theresa May enquanto primeira-ministra do Reino Unido é extremamente curto. Perdido este voto, vai deparar-se com um desafio à sua liderança do partido e há a perspetiva de novas eleições.
Ela está a tentar manter-se no poder o máximo de tempo possível, é esta a sua jogada, isto são tudo marcas de um desespero político de tentar salvar a sua carreira política. Já não tem a ver com missão patriótica, tem a ver com salvar o seu destino político. Ainda ontem, houve uma série de políticos conservadores a apresentarem-se como candidatos a sucessores de Theresa May e é este o pano de fundo das declarações de Theresa May ontem e hoje também.