28 jan, 2019 - 23:48 • Hugo Monteiro
A Nicarágua vive uma grave crise política e social. O conflito teve inicio em abril do ano passado, com protestos pacíficos contra a reforma do sistema de Segurança Social. A crise acentuou-se e, de acordo com organizações humanitárias, já terá feito entre 300 a meio milhar de vítimas mortais, centenas de desaparecidos e milhares de feridos.
O Presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, fala numa tentativa de golpe de Estado. Uma tese que um grupo de eurodeputados contesta. Este grupo visitou, nos últimos dias, o país e teve oportunidade de conversar tanto com o chefe de Estado como com presos políticos. Da visita sai um forte apelo ao diálogo e a exigência de libertação dos presos políticos.
Um desses eurodeputados, o português José Inácio Faria, do Partido da Terra, descreveu à Renascença o cenário que encontrou na Nicarágua, bem como as conclusões que deverão ser apresentadas a Bruxelas.
Que ambiente encontraram nas ruas da Nicarágua?
Assistimos a uma situação muito tensa. Pouca gente e muita polícia, para evitar ajuntamentos, porque sabiam que nós lá estávamos. Inclusivamente, estivemos com alguns cidadãos nicaraguenses que nos vieram apresentar relatos do que tinham passado, e mães e pais de presos políticos, bem como elementos de organizações não-governamentais. Soubemos que, depois de estarem connosco, foram, como eles dizem, “molestados”. Houve uma campanha de perseguição. Houve mesmo estudantes que falaram connosco e que tiveram de passar a noite em hotéis, para no dia seguinte fugirem. Há uma opressão e uma repressão enormes. Eles são perseguidos e arriscaram muito em estar connosco. O que se sente nas ruas é que há uma ameaça constante de extrema violência e de terror. Isso sente-se.
Qual foi a postura do Governo perante este grupo de eurodeputados?
No final do ano passado, eles não autorizaram a deslocação. Depois já a autorizaram. Num terceiro momento, na sexta-feira anterior a nós nos deslocarmos, cancelaram novamente. Uns dias depois voltaram a autorizar. Isto tudo mostra que há aqui uma hesitação muito grande por parte das autoridades da Nicarágua. Eles não sabem muito bem o que é que devem fazer, porque, apesar da atitude repressiva, sabem que estão num beco sem saída e que a Europa é a única solução que têm.
Eles dependem da Venezuela, mas não sabem com o que podem contar dali. Depois, os antigos “amigos” norte-americanos estão a cortar toda a ajuda financeira. Então eles estão bloqueados. Não têm saída a não ser a Europa. E eu penso que terá sido um pouco isso que fez com que eurodeputados pudessem ir a Manágua e inclusivamente pudessem entrar nas prisões – que foi uma das condições que impusemos – e falassem com presos políticos.
O Sr. [Daniel] Ortega e a mulher também nos receberam, no último dia, mas não se comprometeram com rigorosamente nada. O Sr. Ortega esteve meia hora a falar connosco, com um discurso fora da realidade. Dizia que o problema era exterior.
Nesse encontro, qual foi a mensagem que os eurodeputados deixaram?
Nós vamos apresentar um relatório sobre aquilo que observámos. Mas penso que, acima de tudo, a nossa ida à Nicarágua trouxe algo de positivo. Levámos um pouco de esperança àquele povo, que se sente isolado, sem poder sair à rua, com a imprensa bloqueada. Eles souberam que nós estivemos lá, principalmente por causa das redes sociais. A expetativa era grande: “O que será que estes senhores vêm cá fazer?” Nós estivemos, observámos e falámos. Tivemos uma conferência de imprensa, onde exigimos a libertação dos presos políticos. Vai haver uma resolução do Parlamento Europeu, o mais tardar até abril, onde todos estes pontos vão ser mencionados.
Não há diálogo entre Governo e oposição?
Não. Não há diálogo. A postura de Daniel Ortega e da mulher é a de que houve uma tentativa de golpe de Estado, há terroristas, e, portanto, têm liberdade e carta branca para acabar com o terrorismo. Ou seja, a tese de que há uma intentona, dá direito a fazer tudo. E isto é o que o cidadão comum sente nas ruas. São vistos como potenciais terroristas. Nós recusamos a tese do golpe de Estado e exigimos, entre outras coisas, a libertação imediata dos presos políticos e que não fossem perseguidos aqueles que connosco se tinham encontrado, porque se o fizessem, seria um ataque pessoal a cada um de nós.
Então, que saída para a Nicarágua?
A saída para a Nicarágua é só uma. É o diálogo nacional, com todas as partes. Não é só partido que controla o aparelho governativo, mas é também a oposição, a sociedade civil e a Igreja. Tem de haver uma abertura do regime de Daniel Ortega ao diálogo. Sem isso, não há nada. Mas eu confesso que não vejo qualquer abertura ao diálogo. Se não houver qualquer alteração, logicamente que a União Europeia tem de adotar medidas: aplicar sanções individualizadas contra os dirigentes nicaraguenses.