09 fev, 2019 - 16:02 • Marília Freitas com Reuters
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Londres, Dublin e Bruxelas querem evitar uma “fronteira rígida”, como a que existia antes do acordo de paz de 1998, que pôs fim à violência na Irlanda do Norte. O conflito custou mais de 3.700 vidas.
As memórias tornam-se mais vívidas em dias de efemérides, como este sábado. A 9 de fevereiro de 1996, uma bomba do IRA (o Exército Republicano Irlandês) explodiu na zona do Porto de Londres. A explosão devastou uma vasta área e causou danos avaliados em 150 milhões de libras. Apesar do IRA ter alertado para a explosão 90 minutos antes, a área não foi totalmente evacuada. Duas pessoas morreram e mais de 100 ficaram feridas. O ataque marcou o fim de 17 meses de cessar-fogo.
Nessa altura, os 500 quilómetros de fronteira eram marcados por postos de controlo do exército britânico, os quais eram frequentemente alvo de atiradores do IRA. Várias cidades, incluindo Belfast, foram palco de distúrbios, tiroteios e ataques à bomba.
Ninguém quer uma “fronteira rígida”, mas…
Agora, ambos os lados querem evitar o regresso a esta “fronteira rígida”. Como os dois territórios fazem parte da União Europeia, não há fronteira entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda.
Contudo, com a saída do Reino Unido da UE, do mercado único e da união aduaneira, à partida, regressaria a fronteira rígida, com postos de controlo e novas regras para a circulação de pessoas e bens. É o que acontece com os territórios que não pertencem ao espaço europeu.
Os deputados britânicos exigem uma fronteira aberta, mas sem união aduaneira com a UE. Um cenário rejeitado por Bruxelas.
Os ministros irlandeses alegam que os deputados britânicos não conseguem perceber a gravidade dos riscos. “É de vital importância que os políticos de Westminster compreendam a vontade da sociedade da Irlanda do Norte de não voltar às fronteiras e à divisão do passado”, alertou Simon Coveney, o ministro dos Negócios Estrangeiros e vice-primeiro-ministro irlandês.
“Quem permitir que isso aconteça será duramente julgado pela história e com razão. Este Governo em Dublin não permitirá isso. Há coisas que são mais importantes do que as consequências económicas”, acrescentou.
Esta semana, o primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, encontrou-se com o presidente do Conselho Europeu e com o presidente da Comissão Europeia, em Bruxelas, para discutir o ‘backstop’. Leo Varadkar reforçou a ideia de que o impasse nesta questão pode pôr em causa a paz na ilha, que demorou tanto tempo a ser alcançada.
Qual é o problema?
A Irlanda e os restantes estados-membros da União Europeia querem uma garantia, o chamado ‘backstop’. Este mecanismo de salvaguarda diz que o Reino Unido continua a cumprir muitos dos regulamentos europeus “a menos que e até que” surja “um acordo alternativo” que garanta que não há uma fronteira rígida.
A União Europeia propôs que apenas a Irlanda do Norte se mantenha na área económica europeia, mas tanto Theresa May como os seus aliados norte-irlandeses (unionistas) argumentam que essa solução coloca a Irlanda do Norte no caminho da reunificação com a República da Irlanda. E manteria todo o Reino Unido vinculado às regras europeias.
Há solução para o impasse?
A solução pode passar por um acordo de comércio livre entre o Reino Unido e a União Europeia, a ser negociado durante um período de transição de 20 a 44 meses após o Brexit, e que garanta que a fronteira permanece “invisível”.
Theresa May argumenta que existem “alternativas” ao ‘backstop’ para evitar a fronteira. A UE diz ter também essa esperança, mas contrapõe que essas alternativas ainda não foram testadas e que têm de ser trabalhadas durante o período de transição.
A República da Irlanda apelida as “alternativas” britânicas de “pensamento positivo”. Desta forma, diz a UE, o ‘backstop’ mantém-se inalterado.
E agora?
Até agora, nenhuma das partes cedeu e já se fazem planos para uma saída do Reino Unido sem acordo, a 29 de março - o chamado ‘hard Brexit’.
Segundo a agência Reuters, fontes da diplomacia europeia falam num acordo de última hora, que até pode acontecer na cimeira marcada para 21 e 22 de março. Tal acordo pode ditar um adiamento do Brexit por dois ou três meses, para permitir que o parlamento britânico aprove a legislação necessária para a saída.
Outra opção, é o Reino Unido deixar a UE a 29 de março sem acordo.
Mas “sem acordo” não significa o regresso da fronteira?
Este é o cerne da questão. Reino Unido e Irlanda garantem que não vão impor controlos na fronteira. Mas a União Europeia diz que deve haver algum tipo de controlo aos produtos britânicos, pelo menos de forma discreta, como prevêem os acordos alternativos ao ‘backstop’.
Isto evitará que o Reino Unido tenha uma “porta do cavalo” para aceder ao mercado único e que a Irlanda veja as suas exportações para os restantes estados-membros sujeitas a controlos em portos comunitários, para garantir que não há produtos britânicos.
Pressão máxima sobre os dois lados
O comércio britânico pode ser fortemente afetados se a União Europeia impuser taxas e controlos às exportações do Reino Unido. O mesmo acontece com as empresas europeias.
Para Bruxelas, o ‘backstop’ é vital para a defesa do mercado único contra uma grande economia que se tenta esquivar das regras comunitárias. Os deputados britânicos consideram que é um ataque intolerável à sua soberania.
Poucos se atrevem a prever o desfecho deste processo.