15 fev, 2019 - 13:48 • José Bastos
“Espanha deve avançar”, disse o primeiro-ministro, Pedro Sánchez, depois de fazer um balanço dos seus oito meses de governo - o executivo mais curto da democracia espanhola - que serviu, na sua opinião, “para melhorar Espanha”.
“Entre nada fazer e continuar a governar com o orçamento prorrogado de Mariano Rajoy ou dar a palavra aos espanhóis, prefiro a segunda opção porque a Espanha deve continuar no caminho do progresso”, afirmou Sánchez.
O líder do PSOE demorou ainda mais vinte minutos, até revelar a data que todos esperavam para as eleições antecipadas: 28 de Abril. Num discurso em que misturou as dupla condição de primeiro-ministro e de candidato ao cargo, Sanchéz defendeu a "legitimidade" do seu governo e apelou ao voto contra “as três direitas”, designação que escolheu para PP, Ciudadanos e Vox. Disse ainda que “não renuncia ao diálogo com a Catalunha”.
Oito meses depois de Sánchez ter chegado à Moncloa com uma moção de censura contra Rajoy, abre-se um ciclo eleitoral que durará meses. A 12 de Abril, arranca formalmente a campanha eleitoral para as legislativas e, apenas três semanas depois, a 10 de maio, inicia-se a campanha das eleições autárquicas, autonómicas e europeias de 26 de Maio, o super-domingo eleitoral.
O apoio dos partidos independentistas, entre outros, levou Sánchez à chefia do governo e a rejeição dos independentistas à proposta de orçamento acelerou a sua saída. A condição dos soberanistas catalães para deixar passar as contas do Estado - negociar o direito à auto-determinação - foi a premissa que o PSOE não podia aceitar.
As próxima eleições surgem num momento de grande incerteza política com a média das sondagens a admitir uma maioria à direita. Em entrevista à Renascença, Javier Martín Del Barrio diz que o mais certo em Espanha é surgir uma "geringonça".
“De esquerda ou de direita”, acentua o correspondente do "El País" em Lisboa, incorporando a expressão-chave do jargão político nacional.
Depois de Felipe Gonzalez, em 1995, é a segunda vez que um primeiro-ministro espanhol vê uma proposta de orçamento chumbada. Sem "oxigénio" para esgotar a legislatura, Sánchez é vítima da união conjuntural de dois nacionalismos, o catalão e o espanhol?
Exactamente. Se Sánchez é vítima, depende como se queira olhar. Só saberemos nas próximas eleições.
Estávamos num momento em que, como sucedeu, chumbar o orçamento do Estado era mau, mas aprovar as contas do Estado com os votos dos independentistas era pior.
Portanto, o apoio à esquerda do PSOE, do Podemos, não seria suficiente e Pedro Sánchez encontrava-se numa situação distante de ser politicamente confortável. Podia tentar governar com duodécimos, mas não seria o melhor cenário, seria um quadro de alguma debilidade.
O PdCat deixou, até ao último momento, a porta aberta à aprovação do orçamento se Sánchez admitisse falar de auto-determinação da Catalunha...
Tudo são tretas do PdCat. É tudo mentira. É como se alguém me oferecesse a imortalidade a troco do que quer que seja. É uma impossibilidade. O governo do PSOE, qualquer governo, aliás, não pode prometer nem fazer o que seja sobre a autodeterminação. A Constituição espanhola proíbe que o faça. Como, de resto, o proíbe a Constituição portuguesa ou muitos outros textos fundamentais de todos os países do mundo.
E, ao contrário de muitas dessas constituições, incluindo a portuguesa, a espanhola permite, isso sim, a existência de partidos independentistas. Mas ninguém, muito menos a constituição, permite fazer o contrário do estipulado na lei, rasgar a constituição. Então, dizer que o PdCat trocava o seu voto no orçamento por colocar a auto-determinação na agenda é como é como prometerem-me a imortalidade.
As últimas reacções são já marcadas por uma intensa atmosfera pré-eleitoral. Por exemplo, o PP diz que o chumbo do OE é o fim do trajecto de Pedro Sánchez...
Sim. O momento é marcado pelas estratégias pré-eleitorais. De resto, estamos a viver um ano inteiro de estratégias eleitorais. Pedro Sanchéz, com o apoio do Podemos e dos nacionalistas, derrotou Mariano Rajoy numa moção de censura. Desde esse momento que a direita pedia eleições antecipadas e entramos já na estratégia de cálculo político puro, para ver onde se consegue obter mais votos.
Que lições políticas ficam da aliança para governar a Andaluzia e do grande comício das chamadas três direitas - PP, Ciudadanos e Vox - no último domingo, em Madrid?
Estamos num cenário político muito confuso. Multiplicam-se as sondagens que me deixam muitas dúvidas, como se demonstrou no caso das eleições autonómicas na Andaluzia com o fracasso das consultas de opinião.
Agora, também se confere uma "vitória de Pirro" ao PSOE, insuficiente para governar, e, noutros cenários, também ninguém tem maioria. Assim, o mais provável que haja uma geringonça de direita ou uma geringonça de esquerda. Em Espanha, o que é certo é a formação de uma geringonça.
Com eleições a 28 de Abril, um mês antes do super-domingo eleitoral com autárquicas, autonómicas e europeias, a 26 de maio, a Espanha não corre o risco de um bloqueio político-constitucional, uma vez que haverá sempre uma "geringonça"?
Haverá sempre possibilidades de bloqueio, mas os políticos procuram o poder, têm de governar e, em última análise, estão em causa os seus postos de trabalho. Não esquecer, contudo, que em toda a história da democracia espanhola - paralela à portuguesa - quase sempre governaram ou o Partido Popular ou o Partido Socialista, apoiados pelos partidos nacionalistas.
Nunca houve qualquer problema com o apoio a vir ou do PNV, os dos conservadores nacionalistas bascos, ou dos conservadores catalães do Convergència i Unió, CiU. O problema, hoje em dia, é que os conservadores do CiU, burgueses catalães, tornaram-se independentistas por uma questão de estratégia política alinhada com o partido Esquerra Republicana de Catalunya, ERC, a esquerda republicana.
Esse é o dado que muda o cenário nos últimos anos. Mas, ao final do dia, uns ou outros, PP ou PSOE, acabarão por liderar o governo numa geringonça que terá de ter o apoio dos nacionalistas, seja o nacionalismo das Canárias, do País Basco ou da Catalunha.
Na contagem decrescente para as eleições, temos a decorrer o julgamento do processo de secessão da Catalunha. Vão ser três meses de julgamento a deixar marcas na sociedade espanhola?
Alguma marca deixará, mas não durante três meses. As pessoas aborrecem-se, cansam-se e, de resto, já estão cansadas desta questão e um julgamento é algo muito cansativo com excepções de momentos muito pontuais.
Imaginemos um futuro eventual julgamento de José Sócrates: o aborrecido que pode ser com excepção dos momentos em que Sócrates possa falar. Neste caso dos secessionistas catalães, haverá momentos de maior e menor atenção da sociedade.
A Procuradoria insiste na acusação de que ninguém é julgado pelas suas ideias, mas sim por acções. Na Catalunha, discorda-se da formulação...
Claro que ninguém é julgado pelas seus ideais. Assim é. A Espanha é uma das democracias mais evoluídas. Na Catalunha, só uma parte não está de acordo. A parte independentista não está de acordo. A sua defesa é dizer que o processo está politizado e os que tomaram um blindado da Guardia Civil era apenas para animar a apaziguar manifestantes...
Mas este julgamento não pode influir, "à la longue", na governabilidade do estado espanhol?
Creio que não. As cartas já estão marcadas. Não há nada de novo aqui. Tudo isto não é novidade. Desde há já seis anos que se repete a paisagem eleitoral catalã. Os resultados das eleições são sempre os mesmos.
Os partidos independentistas obtêm à volta de 48% dos votos e os espanholistas os 52%. Nada mudou. Não creio que vá mudar com o julgamento. As cartas estão muito marcadas.
Nada muda mesmo que surjam "mártires" políticos deste julgamento?
Já há "mártires". Temos Carles Puigdemont. "Mártires" há sempre. Neste caso, também não há nada de novo.
Temos a história do nacionalismo basco, onde havia um grupo terrorista - no catalão não há - e a "kale borroka", actos de violência urbana, que também há na Catalunha, e lembro-me que um tribunal do Estado julgou e condenou o líder do partido HB, que era o braço político do grupo terrorista ETA, Arnaldo Otegui.
Na altura, também se dizia que o País Basco ia sair à rua e não sei o quê. Otegui foi condenado e passou alguns anos na cadeia e nada aconteceu no País Basco.
O facto do partido Vox se ter constituído assistente e produzir uma acusação particular neste julgamento dos secessionistas catalães vai conferir maior notoriedade à extrema-direita?
Sem dúvida. Não sei se designaria o Vox como um partido de extrema-direita, sendo que, sem dúvida, é a direita mais ao extremo, como o Partido Comunista o poderia ser na extrema-esquerda. E o Vox tem comportamentos e ponderações políticas que colidem com a constituição espanhola, o que significa que nunca as vão ver realizadas.
Refiro, por exemplo, pretender acabar com as comunidades autónomas, ou as leis de defesa da igualdade de género, mas, sem dúvida, há aqui uma estratégia de Vox para se dar a conhecer e conseguir mais votos. E já há um aumento da notoriedade do Vox por este ângulo de quem sente que o "espanholismo" está em risco.
Mas outra coisa é uma relação causa/efeito do julgamento nas eleições antecipadas? Antecipar eleições é uma aposta (Theresa May perdeu a aposta em 2017) e Sánchez não joga apenas com indicadores económicos...
Com a decisão de antecipar eleições, Sánchez coloca em jogo também sentimentos. A antecipação de eleições não decorre, de facto, tanto da economia como é de percepções políticas de sentimentos.
Muitos espanhóis - espanhóis bascos, espanhóis catalães, espanhóis galegos, espanhóis andaluzes e espanhóis das Canárias - sentem que os independentistas feriram os seus sentimentos. porque sentem que a Catalunha é uma região privilegiada, a mais rica de Espanha com tudo, e que está a culpar estremenhos e andaluzes do que quer que seja.
Assim, há um forte factor sentimental envolvido. E quanto à aposta (antecipar eleições) é que não havia outro remédio. O normal seria aproveitar o domingo das eleições europeias, 26 de Maio, e fazer quatro eleições de uma só vez, mas o PSOE não se atreve por pensar que lhe pode ser prejudicial. Assim, em menos de um mês, vamos ter duas grandes jornadas eleitorais o que não é muito lógico.