26 fev, 2019 - 14:49 • Tiago Palma
O Brasil está a viver “novos tempos”. É assim que o ministro brasileiro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, os define, mas, para muitos, este é um tempo a lembrar outros, idos, de má memória: os da ditadura militar, que perdurou no Brasil de 1964 até 1985.
Esta terça-feira, Vélez Rodríguez endereçou uma carta aos diretores das escolas públicas brasileiras, pedindo-lhes, a fim de “valorizar os símbolos nacionais”, que a lessem e, depois, que o hino do Brasil fosse entoado e os alunos e professores filmados a entoá-lo, devendo a gravação ser (com a respetiva identificação dos participantes) enviada para a Secretaria Especial de Comunicação da Presidência da República.
A carta, breve, versava o seguinte: “Brasileiros! Vamos saudar o Brasil dos novos tempos e celebrar a educação responsável e de qualidade a ser desenvolvida na nossa escola pelos professores, em benefício de vocês, alunos, que constituem a nova geração. Brasil acima de tudo, Deus acima de todos!”
O slogan final, “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, foi muitas vezes dito por Jair Bolsonaro, durante a eleição e após a sua chegada ao Palácio da Alvorada – utilizou-o, por exemplo, no encerramento do seu discurso de tomada de posse, a 1 de janeiro.
Face à polémica que depressa se gerou, com críticas vindas de todos os quadrantes, de educadores a juristas, prontamente o Ministério da Educação, em comunicado, veio esclarecer que tudo se trata, não de uma imposição ministerial mas, sim, de um “pedido de cumprimento voluntário”, podendo, ou não, as imagens ser captadas e enviadas para a Presidência.
Já a sua utilização, num posterior vídeo que muitos dizem de propaganda, só aconteceria, esclarece o Ministério da Educação, depois de “solicitada a autorização legal da pessoa filmada ou de responsável”.
À BBC, Luciano Godoy, professor de direito da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, lembra que o pedido de gravação é uma “violação de privacidade”, enquanto o presidente da Associação Brasileira de Escolas Particulares, Arthur Fonseca Filho, diz que o pedido é "inconveniente, na forma e no conteúdo".
Por sua vez, em comunicado, a plataforma brasileira “Todos pela Educação” lamenta que o pedido do Ministério da Edução “esteja distante do que é preciso ser o foco” na educação, pois, garantem, “o compromisso deve ser em efetivar a aprendizagem das crianças”.
Já a pedagoga Telma Vinha, ouvida pela Globo, lembra que a medida (que terá sido, afinal, somente um pedido “voluntário”) contraria aquela que fora uma promessa eleitoral de Bolsonaro, a de “despartidarizar” o ensino. “Fica muito claro que as medidas [de Bolsonaro] mexem nas aparências, nos comportamentos, mas não abordam os reais problemas. Está a utilizar a máquina [de propaganda] para divulgação de algo que é o do Governo, que é político. Deveria ser [um ensino] apartidário e não é – e logo por parte de um Governo que defende uma escola sem partidos. Isso é claramente um partido na escola”, conclui.