28 fev, 2019 - 12:39 • João Carlos Malta
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Preços do arrendamento das casas a aumentar e o custo de vida a disparar. A tendência é transversal nas grandes cidades europeias, mas Berlim não quer ficar de braços cruzados. E nesse contexto, há duas medidas que estão a ganhar força na sociedade civil e entre os partidos de esquerda e o centrista SPD: nacionalizar as casas das grandes empresas do setor imobiliário (as que tenham mais de três mil em carteira) e congelar as rendas por cinco anos.
É uma proposta tida como radical mas que tem raiz na contínua subida dos preços. De acordo com um estudo recente do portal imobiliário “Immowelt”, o preço médio do metro quadrado em Berlim mais do que duplicou nos últimos dez anos, passando de 5,6 euros em 2008 para 11,4 euros em 2018. Compare-se com Lisboa, onde apesar de o valor ser um pouco mais baixo, é já o dobro do resto do país: 9,62 euros o metro quadrado, segundo o Instituo Nacional de Estatísticas.
Como exemplo, um apartamento T1 pode chegar aos mil euros nas zonas mais procuradas de Berlim. A pressão imobiliária não tem parado de aumentar numa cidade com 3,8 milhões de residentes e onde chegam todos os anos outras dezenas de milhares de pessoas. A este facto soma-se outro dado: 85% dos habitantes de Berlim optam pelo arrendamento.
A lei proposta por ativistas da capital alemã, e que é apoiada pelo partido Die Link (esquerda), pelos Verdes e pelo Partido Social Democrata (SPD, centro-esquerda), visa impedir que haja grandes empresas especuladoras que acumulem mais de 3.000 residências no seu portefólio. Isso inclui a maior imobiliária da cidade, a Deutsche Wohnen AG: sozinha é dona de mais 115 mil casas na capital alemã.
Este gigante do setor tornou-se o alvo favorito dos ativistas, que afirmam que representa um exemplo do tipo de especulação responsável pelo aumento excessivo das rendas e dos valores das casas para venda.
Lisboa vive atualmente um drama semelhante: em seis anos as rendas aumentaram 25%.
Os jovens têm dificuldades em encontrar um novo apartamento e muitos são obrigados a voltar para casa dos pais. Mas o aumento dos preços afeta também os setores mais vulneráveis da população, que em algumas situações leva a medidas desesperadas como a ocupação de casas devolutas.
Referendo para nacionalizar 200 mil casas
Segundo as contas dos ativistas de Berlim, se a ideia da expropriação for aplicada, o número de casas que entraria na esfera do Estado rondaria as 200 mil.
Para que isto aconteça, é preciso que primeiro haja a recolha de 20 mil assinaturas, até abril, para que a proposta seja depois votada em referendo. As sondagens apontam que não será muito difícil; de acordo com os mais recentes inquéritos de opinião, a maioria dos eleitores apoia esta medida.
Mas antes, é também necessário que haja uma clarificação legal sobre a possibilidade de uma cidade tomar uma decisão isolada do resto do país.
Um dos ativistas por detrás da iniciativa afirmou ao "Der Tagesspiegel" que os advogados e os peritos constitucionais já consultados sobre o assunto explicaram que a compensação que teriam de dar aos expropriados ficaria muito abaixo do valor do mercado.
O mesmo grupo que está a dinamizar a iniciativa acredita que é possível avançar com a ideia, citando a existência de um precedente de expropriações em Hamburgo, depois das cheias de 1962, no qual o Tribunal Constitucional argumentou que, em determinadas situações, o bem comum se sobrepõe aos interesses privados.
Cinco anos sem aumentos
Uma outra ideia defendida por um grupo de políticos locais é o de congelar as rendas por cinco anos. “Há seis ou sete anos, Berlim tinha rendas muito mais baratas”, afirma Julian Zado, deputado do SPD na capital alemã.
A ideia é a de que as novas casas que estão a ser construídas para satisfazer o crescimento da procura vão demorar anos até estarem disponíveis. Congelando as rendas, Berlim poderia evitar a subida dos preços até que haja mais oferta.
Idealmente, os defensores da ideia desejam combinar esta medida com outras para que os valores do arrendamento desçam para metade dos atuais, ou seja, entre seis e sete euros/m2.
Virtuoso ou vicioso?
Nem todos estão convencidos, com alguns especialistas do setor imobiliário a afirmar que a medida pode reduzir a oferta de casas no mercado.
Outra das consequências negativas da redução dos lucros dos proprietários, segundo analistas, é a possibilidade de os investidores se virarem mais para a venda e não tanto para o arrendamento.
“Há uma falta de casas em Berlim e ela não vai ser reduzida se as rendas deixarem de subir”, disse à BBC Michael Voigtländer, do Instituto Económico de Colónia.
Axel Gedascko, líder da associação de construção alemã, em entrevista ao "Die Zeit", acrescentou que estas medidas podem fazer com que se construam menos 50 mil apartamentos em Berlim nos próximos cinco anos.
Além disso, se os senhorios souberem que não podem aumentar os lucros durante meia década, poderão optar por adiar qualquer obra de melhoria ou até de manutenção das suas propriedades.
Nos últimos anos, a Alemanha tomou medidas para começar a lidar com este problema: em 2015, o Parlamento aprovou uma lei que restringe o aumento das rendas, lei sob a qual os valores de arrendamento em novos contratos não podem ser superiores em mais de 10% ao preço médio das casas na zona em questão.
No entanto, os políticos e especialistas em política de habitação dizem que esta medida não é suficiente para proteger os inquilinos.
Reiner Wild, chefe da Associação dos Inquilinos de Berlim, defende à BBC que a lei prevê demasiadas exceções - e que, nalguns casos, os proprietários preferem ignorá-la. Além disso, os inquilinos muitas vezes não querem tomar medidas legais contra os proprietários quando é difícil encontrar um apartamento.
Segundo Wild, a lei tem "ajudado inúmeros inquilinos, mas não teve um efeito sustentado".