02 mar, 2019 - 10:37 • Lusa
A eventual expulsão de Viktor Orbán do Partido Popular Europeu (PPE) dá mais protagonismo ao primeiro-ministro húngaro, que pode até aliar-se ao nacionalista italiano Matteo Salvini, mas não dá necessariamente mais força à extrema-direita no Parlamento Europeu, segundo especialistas.
Por outro lado, o afastamento de um partido, como o Fidész de Orbán, da maior família política europeia, vai permitir uma clarificação da matriz democrática e pró-europeia do PPE, de que fazem parte os portugueses PSD e CDS-PP.
"Se expulsarem Orbán isso vai jogar a favor dele nas eleições e dar-lhe um protagonismo acrescido no cenário político europeu, porque ele vai direto para os braços do Salvini", refere António Goucha Soares, professor de Direito Europeu no Instituto Superior de Economia e Gestão, em declarações à Lusa.
O especialista frisa, por outro lado, que a Comissão Europeia, ao "rebater ponto por ponto" a campanha do governo húngaro sobre alegadas intenções de Bruxelas em matéria de migrações, tem "uma tomada de posição quase insólita" que "adensa a tensão" e "aumenta a pressão para que o PPE expulse Orbán".
Bernardo Pires de Lima, investigador de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa, sublinha que "o Fidesz já era um corpo estranho" no PPE.
"Podemos discutir o 'timing' dessa indignação, ou a consequência disso em termos de diferenciação nalguns Estados-membros, nomeadamente a antecipação do CDS ao PSD", diz, referindo-se ao pedido formal de suspensão do Fidesz anunciado pelos centristas portugueses na quinta-feira.
Mas, "há um clima diferente de rejeição" e "era preciso clarificar as águas para que certa política do PPE fosse menos refém do extremismo", sustenta Pires de Lima, acrescentando que os Socialistas & Democratas (S&D) "também têm de fazer a sua introspeção" quanto a partidos "que se têm comportado de maneira prepotente e autoritária".
Contudo, o investigador não considera que uma expulsão de Orbán e a sua aproximação a Salvini reforce a extrema-direita no Parlamento Europeu, onde se prevê que tenha uma presença maior, mas pouco coesa.
"A extrema-direita pode ter um terço do Parlamento Europeu, mas não funcionar como um bloco coeso na mensagem e na articulação entre bancadas, porque os egos são muitos, o protagonismo é competitivo e a oferta partidária não é muito consistente em termos de discurso europeu", explica.
Pires de Lima e Goucha Soares também comentaram à Lusa a mais recente projeção do Parlamento Europeu para as eleições europeias, designadamente quanto à perda de peso do PPE e do S&D, a expressiva subida da Liga e a possibilidade de Salvini liderar um bloco antieuropeu face e um bloco europeísta eventualmente liderado pelo presidente francês, Emmanuel Macron.
"Macron quis, digamos, levar para frente o projeto europeu de uma forma eventualmente muito ousada e excessiva (...) e depois houve de parte de todos os movimentos eurocéticos uma espécie de primárias para ver quem seria o anti-Macron", "título" que Salvini "conquistou por popularidade", explica Goucha Soares.
O professor universitário sublinha que Salvini "é um fazedor de alianças", como provou ao formar a coligação com o Movimento 5 Estrelas, pelo que "tem capacidade para congregar essa variedade de grupos eurocéticos que existem no Parlamento Europeu, não só o grupo dele, como também no grupo onde estavam os conservadores britânicos".
"A frente europeia pode ter como personagem de referência Macron, mas ele está desenquadrado politicamente", dado que não definiu em que família política se vai integrar, e pode até "convocar uma rejeição" por defender "uma integração europeia muito avançada", evocando "a soberania europeia, que é uma coisa que provavelmente a maioria dos cidadãos europeus não está interessado".
Bernardo Pires de Lima também aponta o desenquadramento político do Macron e, face à subida dos liberais europeus e os resultados do En Marche que as sondagens preveem, admite que não tenha alternativa a integrar-se na Aliança dos Liberais e Democratas pela Europa (ALDE).
"Penso que Macron, inteligentemente, está a ver como é que as coisas correm, mas não me parece que haja muita escapatória a integrar o ALDE, porque uma coisa é ter uma vitoria avassaladora, e aí ter autoridade para formar uma família política à sua imagem", explica, admitindo que o grupo mude de nome para, eliminando a palavra liberal, permitir a entrada do En Marche.
António Goucha Soares admite outro cenário, partindo das projeções "muito benévolas" em relação ao S&D, que limitam as perdas a meia centena de deputados.
"Macron, que é muito calculista, pode estar a ver aí se os socialistas caem mais, para ele, se for para os liberais, poder ser o segundo partido europeu e ser a base da aliança com o PPE", explica.