16 abr, 2019 - 16:36 • Vasco Gandra, enviado a Paris
Esta terça-feira amanheceu triste e cinzenta em Paris. Nem faltaram algumas gotas de chuva. Perto da Catedral de Notre Dame, junto a uma das pontes que dá acesso à ilha onde se encontra o monumento, a polícia impede a passagem de todos os que tentam aproximar-se, jornalistas incluídos.
Estamos a escassos 100 metros da parte de trás da Catedral. Adivinha-se a noite dantesca por que passaram os cerca de 400 bombeiros que heroicamente combateram as chamas. As marcas são visíveis, mesmo àquela distância: algumas paredes do edifício escurecidas, a parte superior central que desabou, algumas cinzas em zonas ao redor da Catedral.
Os sites de informação e os quiosques de jornais mostram dezenas de fotos do impensável. As primeiras páginas dos jornais franceses revelam, de diferentes ângulos, a dimensão do incêndio que consumiu parte de uma obra arquitetónica única, com mais de 800 anos de existência, que atravessou os séculos e testemunhou a história da cidade e do país. Por ora, ainda falta apurar a real extensão da tragédia.
À medida que a manhã arranca, na típica azáfama do trânsito da capital francesa, começam a juntar-se centenas e centenas de parisienses e turistas nas ruas perto de Notre Dame, incrédulos e chocados. Uns acenam negativamente com a cabeça perante o triste espectáculo. Outros tiram fotos, trocam palavras baixinho.
Ali, os olhares revelam a dificuldade em acreditar que as chamas destruíram parcialmente parte de um dos emblemas de Paris, visitado por cerca de 13 milhões de pessoas por ano. "Uma grande tristeza e emoção", diz à Renascença o padre Nuno, Reitor do Santuário de Nossa Senhora de Fátima em Paris.
Durante a manhã chega a informação de que o fogo está finalmente dominado. Um alívio. Surge outra informação: o incêndio fez ferimentos ligeiros em dois polícias e num bombeiro. O profissionalismo dos que lutaram contra o fogo é elogiado por todos. A boa notícia: as primeiras promessas de doações e ajuda para a reconstrução do edifício. Entretanto, o Papa Francisco apela à mobilização de todos para a reconstrução.
As operações de rescaldo prosseguem. O trabalho de averiguação dos danos por parte dos bombeiros e dos peritos já começou.
Alguns dirigentes políticos mostram-se agora preocupados com o que sobreviveu do edifício. "A estrutura está salva, mas há ainda muita instabilidade", resume o ministro da Cultura. Também o grande órgão da Catedral foi salvo, mas pode estar em perigo devido aos danos do sinistro.
Infelizmente, não é só a estrutura ou os vitrais da Catedral que preocupam as autoridades. A Notre Dame acolheu obras de arte, pinturas, estátuas, relíquias históricas de valor incalculável. Muitas terão sido salvas do fogo, outras podem ter sido atingidas pelos intermináveis jatos de água que, só ao fim de muitas horas, acabaram por vencer as chamas.
Começa também o inquérito judicial por parte da Procuradoria. É necessário investigar as causas, apurar responsabilidades. Ou, simplesmente, compreender. Os primeiros indícios apontam para um acidente.
Na zona frontal da Catedral, um veículo de bombeiros aponta a sua escada aos vitrais que os bombeiros vistoriam durante várias horas. Apesar da tragédia, a fachada principal com as suas duas torres permanece bela e luminosa, resistiu com tenacidade.
Junto ao local passam personalidades políticas, num conta gotas constante, para se inteirarem da situação junto das autoridades e dos serviços de segurança e bombeiros. Os rostos têm tons graves mas muitos revelam determinação. Não faltam promessas de reconstrução.
Durante a tarde, os anúncios de dons multiplicam-se. As autoridades garantem que as grandes pinturas de Notre Dame vão ser transportadas para serem restauradas no Museu do Louvre, já a partir de sexta-feira. A esperança retorna. Afinal, a Notre Dame já resistiu a 850 anos de história, e de histórias.