24 jun, 2019 - 12:23 • Filipe d'Avillez
Uma juíza inglesa ordenou que uma mulher faça um aborto, contra a sua vontade.
O caso, que está a gerar polémica no Reino Unido, aconteceu no final da semana passada e já mereceu uma posição da Conferência Episcopal da Igreja Católica de Inglaterra e País de Gales.
A mulher em causa, cuja identidade não pode ser revelada, sofre de uma deficiência cognitiva “moderadamente grave” e está grávida de 22 semanas. Na informação conhecida não se sabe em que circunstâncias é que ficou grávida, mas foi lançada uma investigação para averiguar.
O Sistema Nacional de Saúde britânico (NHS) quer que a mulher aborte, argumentando que seria traumático para ela ter o filho, mas a família opõe-se e a própria mulher, que segundo os documentos do tribunal está na casa dos 20 anos mas tem a idade mental de menina de escola primária, diz que não quer o aborto.
Nestes casos, quando há discordância entre a família e a equipa médica sobre o que é do superior interesse de uma pessoa que não tem capacidade para decidir por si, é comum os casos irem para ao tribunal.
“Um bebé a sério”
Na sua decisão a juíza reconhece que há oposição por parte da mulher e da sua mãe, que é parteira e já se ofereceu para cuidar do neto, mas considera que será demasiado traumático para a grávida fazer o parto. “Acho que ela gostaria de ter um bebé da mesma forma que gostaria de ter uma boneca”, argumenta Lieven. A assistente social que acompanha a família também se opõe ao aborto nesta situação.
Noutra passagem da decisão, a juíza deixa clara a sua posição sobre a vida intrauterina, dizendo “acho que ela sofreria maior trauma dando à luz e depois tendo o bebé retirado do seu cuidado”, pois “nessa fase já seria um bebé a sério”, diz, de acordo com vários órgãos de imprensa britânicos.
Segundo a informação disponivel o bebé em causa tem 22 semanas de gestação e há casos, embora muito raros, de bebés nascidos com menos de 22 semanas e que sobreviveram.
Nathalie Lieven tem um longo historial de casos envolvendo o aborto. Antes de ser juíza, enquanto advogada, argumentou num caso de 2011 que as mulheres deviam poder abortar em casa em vez de terem de se deslocar ao hospital, e em 2016 e 2017 argumentou que as leis sobre o aborto na Irlanda do Norte, onde a prática é ilegal, violam os direitos humanos, são discriminatórios e semelhantes a tortura.
Um advogado britânico ligado à organização Alliance Defending Freedom, que atua em casos de liberdade religiosa, comentou nas redes sociais que “em 2018 eu estava no Supremo Tribunal quando a Nathalie Lieven argumentou que o Estado não devia poder ‘obrigar’ uma mulher a levar a sua gravidez até ao fim. Agora ela é juíza e hoje surge a notícia de que ordenou que uma mulher seja obrigada a fazer um aborto contra a sua vontade”.
A própria Lieven reconhece que “é uma intrusão imensa o Estado obrigar uma mulher a interromper a gravidez, quando aparentemente não o quer fazer”, mas justifica-se dizendo que “tenho de agir no seu superior interesse”.
“Tragédia”, dizem bispos
O caso tem motivado grande indignação nas redes sociais e na imprensa britânica. Existe uma petição, lançada no domingo, que já conta com perto de 70 mil assinaturas e o bispo responsável por assuntos de saúde na Conferência Episcopal de Inglaterra e País de Gales publicou esta segunda-feira uma declaração a dizer que “cada aborto é uma tragédia. Esta tragédia é agravada” no recente caso, diz o bispo John Sherrington.
“Forçar uma mulher a abortar contra a sua vontade e a vontade da sua família próxima atenta contra os seus direitos humanos, sem falar sequer no direito à vida, numa família que se comprometeu a cuidar dele, do seu filho por nascer.”
Reconhecendo que há detalhes do caso que não são de conhecimento público, o bispo conclui dizendo que “este caso levanta sérias dúvidas sobre o significado de ‘superior interesse’ quando um paciente é mentalmente incapaz e é sujeito a uma decisão do tribunal contra a sua vontade”.
Esta é apenas mais uma polémica envolvendo diferenças de opinião entre o NHS e as famílias que acabam decididos pelo tribunal. Nos casos de Charlie Gard e Alfie Evans, embora as circunstâncias dos dois fossem diferentes, o tribunal pôs-se do lado do NHS que queria desligar as máquinas de suporte de vida das crianças, o que conduziria à sua morte, apesar da oposição dos pais. Estes foram ainda impedidos de levar as crianças para outro país para procurar outras alternativas.