21 ago, 2019 - 14:59 • Marta Grosso , Joana Gonçalves
“Mataram o rio, mataram as nossas fontes de vida e agora puseram fogo na nossa reserva”. A descrição é de uma mulher indígena, num vídeo que se está a tornar viral nas redes sociais a propósito dos fogos que estão a consumir a Amazónia.
Esta é a altura de queimadas no Brasil e este ano o país enfrenta a pior onda de incêndios em sete anos. Na segunda-feira, a cidade de São Paulo foi coberta por uma forte neblina que tornou o dia em noite.
Segundo a imprensa brasileira, o “céu de chumbo” foi o resultado de uma combinação rara que juntou a chegada de uma frente fria cheia de humidade com a acumulação de partículas geradas pela queima de vegetação e também das queimadas em zonas já desflorestadas, que entram em suspensão e formam uma imensa nuvem, observável até do espaço.
Há mais de duas semanas que as chamas devastam floresta e mato nos estados do Norte do Brasil, incluindo áreas pertencentes à Amazónia (considerada o Pulmão da Terra) e ao Pantanal.
As perdas são imensas.
Num ano, a desflorestação na Amazónia aumentou 88%. Agora, e só em cerca de três semanas, o fogo já consumiu 20 mil hectares de vegetação.
Entre 2000 e 2017, a Amazónia perdeu uma área superior à da Alemanha, ou seja, cerca de 400 mil quilómetros quadrados, revela a BBC Brasil, citando um estudo da Universidade de Oklahoma publicado na revista “Nature Sustainability”.
Entre 1 de janeiro e 18 de agosto deste ano, foram registados quase 71.500 focos de incêndio – um número recorde, comparado com os perto de 40 mil no mesmo período do ano passado e com a última grande onda de incêndios, em 2016, quando se registou 66.622 focos de queimadas durante o mesmo período.
A indignação pelo que está a acontecer à Amazónia alastra nas redes sociais, onde foram criadas várias “hashtags”, como #eaamazonia, #saveAmazonia e #PrayforAmazonas. Em todas se critica o silêncio das autoridades e, em concreto, do Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro.
Bolsonaro já reagiu, deixando no ar que por trás dos incêndios poderão estar organizações não-governamentais.
“Nós tirámos dinheiro de ONG, 40% ia para ONGs. Não tem mais. De modo que esse pessoal está sentindo a falta do dinheiro. Então pode, não estou afirmando, ter ação criminosa desses ongueiros para chamar atenção contra minha pessoa, contra o governo do Brasil", afirmou esta quarta-feira.
“Tudo indica” que pessoas se preparam para ir à Amazónia filmar e então "tocaram fogo" na floresta, acrescentou. Mas quando questionado sobre se tinha provas ou indícios das acusações que fazia, o Presidente afirmou que não, porque isso "não tem um plano escrito" e "não é assim que se faz".
O ministro do Ambiente, por seu lado, já afirmou no Twitter que bombeiros e aeronaves “estão integralmente à disposição dos estados e já em uso” para combater os incêndios.
O governo do estado do Amazonas já montou um gabinete de crise. Segundo dados oficiais deste executivo, o número de incêndios florestais aumentou 146% entre 2018 e 2019.
“Dia do Fogo”
O investigador Alberto Setzer explica ao jornal “Estadão” que o clima este ano está mais seco do que o habitual. Contudo, a maior parte dos incêndios tem origem humana.
“Nesta época do ano não há fogo natural. Todas essas queimadas são originadas em atividade humana, seja acidental ou propositada. A culpa não é do clima, ele só cria as condições, mas alguém coloca o fogo”, declarou Setzer.
A imprensa brasileira – e também as redes sociais – apontam ainda o “Dia do Fogo” como um dos fatores que proporcionou o aumento de incêndios nesta altura.
No dia 10 de agosto, numa manifestação de apoio à posição assumida pelo Presidente Bolsonaro face à Alemanha e à Noruega, latifundiários brasileiros cumpriram a promessa de fazer um “dia de fogo” queimando uma área florestal da região de Novo Progresso no estado do Pará.
O resultado foi um aumento de 300% nos focos de incêndio em comparação com o dia anterior, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
O objetivo foi demonstrar que o Brasil é uma nação soberana, que não precisa da Alemanha ou da Noruega para proteger a sua biodiversidade.