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Roldan Muradian

Amazónia. "O pós-Biarritz vai obrigar Bolsonaro a definir o seu modelo para a floresta"

29 ago, 2019 - 11:00 • José Bastos

"No pós-Biarritz, Bolsonaro já moderou o tom", defende Roldan Muradian, especialista brasileiro nas áreas da globalização económica e da responsabilidade ambiental. "O agro-negócio não é o vilão na desflorestação, antes pelo contrário, está ao lado dos ambientalistas" sustenta o professor da Universidade Federal Fluminense.

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Roldan Muradian, especialista brasileiro nas áreas da globalização económica e da responsabilidade ambiental, defende que "a desflorestação da Amazónia não está a ser feita em favor da grande indústria agro-alimentar".

"O sector do agro-negócio sabe que os verdadeiros ganhos de produtividade não passam pela destruição do meio-ambiente e o agro-negócio tem-se posicionado ao lado dos ambientalistas e contra Bolsonaro", acentua o professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense, estudioso da relação entre as ciências do ambiente e a economia.

Depois de quase uma semana de pressão da comunidade internacional, Bolsonaro defendeu as acções brasileiras de protecção da floresta, afirmando que "incêndios florestais existem em todo o mundo" e que "isso não pode ser pretexto para sanções" a um Brasil que, segundo o seu presidente "é exemplo de sustentabilidade com uma lei ambiental moderna".

Ainda assim, Roldan Muradian sustenta que "Bolsonaro tem de definir claramente qual é o seu modelo para a Amazónia", modelo que a presidência Lula tinha e aplicava com resultados assinaláveis.

O pós-Biarritz determinou um Bolsonaro mais moderado na gestão política dos fogos na Amazónia?

O resultado da cimeira do G7, em Biarritz, acabou por ser uma boa notícia porque mudou o tom do discurso pré-cimeira. Bolsonaro parece ter moderado a sua atitude em relação às acções e políticas para controlar a desflorestação e, depois de Biarritz, há sinais de passar do conflito para a cooperação. A floresta do que está a necessitar é da cooperação dos vários países em lugar de confronto.

Gostei muito de que os sectores do "agro-negócio" aqui, no Brasil, se tenham posicionado nos últimos dias a favor da floresta. O sector entendeu que o seu futuro depende de uma boa imagem internacional e a conservação da floresta faz parte dessa boa imagem.

O "agro-negócio" também sabe não precisar da sua expansão para áreas com cobertura florestal e isso é muito claro no Brasil. Dadas as condições actuais do uso da terra, as possibilidades de ganhos de produtividade e do crescimento do agro-negócio são gigantescas mesmo sem tocar na floresta.

Isso já aconteceu na história recente do Brasil, em períodos de alta de preços nas "comodities", com a expansão da produção e das exportações brasileiras e mesmo da área plantada de soja e a diminuição muito significativa do desmatamento. Então, o sector do "agro-negócio" sabe que as possibilidades de aumento da produtividade, os verdadeiros ganhos de produtividade não passam pela destruição do meio ambiente.

Então, o "agro-negócio" não é o vilão, neste caso?

Não. Não é de todo. Aqui no Brasil, tem surgido um debate público muito claro onde o "agro-negócio" se tem posicionado do lado dos ambientalistas. Parece um paradoxo, mas tem sido assim.

Então o problema das queimadas é mais identificado com os chamados "pecuaristas", pequenos agricultores, e menos com o lado mais industrial do agro-negócio?

Sim. Se olharmos para os trabalhos académicos que têm estudado este tema, a maior parte das transformação em curso do uso da terra, do desmatamento - vamos dizer 70 ou 80% - acontece quando a desflorestação é feita para produção pecuária de muito baixa produtividade, o que aqui se chama de pecuária extensiva. É uma pecuária de muito baixa produtividade e de escasso rendimento.

Dos possíveis usos da terra no Brasil esse é o que tem a menor produtividade e o mais baixo rendimento. Então, não é verdade que a floresta esteja a ser desmatada para o aumento da grande indústria. Mas também há um outro componente que se chama aqui "grilagem", que é a desflorestação com fins especulativos: as pessoas desmatam a floresta esperando fazer mais-valias com o preço da terra para a poder vender, mais tarde, para outros fins.

Isso explica também o uso da terra numa actividade tão pouco produtiva, numa espécie de estratégia de colonização de novos territórios. Isso faz parte de uma longa história no Brasil, de percepção da floresta como espaço a ser conquistado, a ser destruído.

E, nesse sentido, o presidente Bolsonaro facilitou esse "espírito do tempo"?

Essa é a minha interpretação. O governo actual reflecte um "zeitgeist", um "espírito do tempo" já ultrapassado, há décadas. Nos anos 50-60, não só no Brasil, mas em toda a América Latina, até por uma questão de soberania, os vários governos tinham políticas a incentivar a desflorestação, não apenas na Amazónia, mas em geral, em muitas áreas florestais , do México até à Argentina. Essa era uma política activa de ocupação do território, de expansão da civilização.

No caso da Amazónia, era também uma estratégia do poder federal em assegurar as fronteiras, mas esse mundo já passou, esse mundo já acabou. Os valores da sociedade global transformaram-se e, agora, a conservação da floresta é um tema central do futuro da humanidade.

Do ponto de vista internacional, como é que a tensão pode evoluir? No caso europeu, temos ameaças da Irlanda e França - pressão condicionada por produtores de carne domésticos - de comprometer o acordo do Mercosul, mas também podemos ter o "agro-negócio" a exigir a Bolsonaro medidas mais sustentáveis para não perder mercados no exterior?

O contexto actual, infelizmente, parece ser o de guerras comerciais generalizadas. Começou com a guerra comercial entre a China e os Estados Unidos e é provável que, nesta tendência geral de regressão da globalização, muitos países usem o pretexto ambiental para começar a criar barreiras comerciais.

Por um lado, essa possibilidade de sanções pode ter um efeito positivo, o de levar o governo Bolsonaro a alterar a sua atitude em matéria de política ambiental, mas, por outro, pode também alimentar um sentimento anti-europeu, um sentimento nacionalista. O paradoxo é que o discurso usado por Bolsonaro pode ser o de que a "conquista" da Amazónia é um assunto de soberania nacional.

É um paradoxo no sentido da questão: que uso queremos da Amazónia? "Conquistar" a Amazónia para a destruir? Vamos destruir a Amazónia porque ela é nossa? Há aqui elementos muito contraditórios.

Então, o governo Bolsonaro tem de definir claramente qual é o seu modelo para a Amazónia e deixar claro para todo o mundo como vai compatibilizar esse modelo de desenvolvimento com a necessidade de conservar a floresta, não só como um bem para o desenvolvimento económico do Brasil como também para o planeta.

Esse modelo para a Amazónia existia nas presidências anteriores e precisa de ser aplicado ou modificado na administração Bolsonaro? Como resolver a questão no futuro?

Em relação ao modelo no período do governo Lula da Silva, 2004-2012, houve uma clara aposta na política de diminuição da desflorestação na Amazónia. Uma política que teve sucesso e que foi aplicada através de uma série de políticas públicas. O Brasil foi mesmo um exemplo para o mundo. E, insisto, tratava-se de uma série de políticas públicas de suavizar a desflorestação.

Por exemplo, a aplicação de uma moratória ao sector da soja, impedindo a aquisição de soja produzida em regiões que tinham sido desmatadas, a elaboração de uma lista negra de municípios com índices mais expressivos de desmatamento, com a proibição de créditos públicos para "pecuaristas" que tivessem sido condenados por crimes ambientais e também a aplicação de uma melhor tecnologia de detecção de episódios de desflorestação em tempo real. Todo um conjunto de políticas que, aplicadas ao mesmo tempo, conseguiram uma diminuição significativa das acções de desflorestação.

Agora, o futuro passa por aproveitar, precisamente, a biodiversidade do país e vou dar o exemplo da Natura, uma das maiores empresas cosméticas do Brasil e do mundo, que acabou de comprar a Avon. É uma empresa a investir muito na inovação para aproveitar, precisamente, a biodiversidade do país.

O Brasil é um país de uma enorme riqueza biológica, uma enorme riqueza cultural e é no aproveitamento desse enorme potencial que reside o futuro da economia brasileira.

No plano internacional, estes incêndios marcam um ponto de viragem?

Preocupa-me a tendência global que, aparentemente, consolida o movimento anti-ambientalista. Uma tendência começada por Trump e agora também representada por Bolsonaro, mas que é seguida por muitos políticos na Europa, alguns associados à extrema-direita, muito cépticos face às alterações climáticas.

Assim, a principal preocupação no momento é a de como conter essa tendência a ameaçar tornar-se movimento global combinando cepticismo face à ciência, conservadorismo nos temas sociais e também escassa atenção aos temas ambientais.

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