03 set, 2019 - 14:50 • João Pedro Barros
As eleições foram a 28 de abril, já houve duas tentativas falhadas de investidura de Pedro Sánchez, em julho, e o prazo para evitar novas eleições termina a 23 de setembro. Porém, poderá mesmo ser esse o caminho, a avaliar pela resposta do líder do Podemos (extrema-esquerda), Pablo Iglesias, esta terça-feira, a uma proposta de “geringonça” por parte de Pablo Sánchez, líder do partido socialista (PSOE) e primeiro-ministro interino.
“Uma coligação de Governo é a única garantia para levar a cabo as políticas que podem mudar a vida das pessoas”, respondeu Iglesias, via Twitter. Na publicação está ainda um vídeo com declarações suas numa entrevista, em que também é bastante claro: “A chave é que, nos documentos, cabem todos as palavras bonitas, todos as promessas, e depois não se cumprem”.
O líder da coligação Unidas Podemos respondia à proposta de um pacote de 370 medidas, intitulado "Programa Comum Progressista", com que Sánchez pretendia desbloquear a investidura de um novo executivo. Ao mesma tempo, deixava claro que uma coligação é "impraticável", devido às divergências programáticas entre as duas formações políticas. No fundo, uma repetição do que disse há dias o homólogo português António Costa: “é melhor não estragar uma boa amizade com um mau casamento”.
“Temos divergências profundas com o Unidas Podemos. Não há condições hoje para nos convertermos em sócios de Governo mas isso não tem que transformar-nos em adversários. Cabe-nos sermos sócios leais e estamos em condições de encontrar fórmulas de entendimento”, resumiu.
E, para garantir essa amizade, o secretário-geral do PSOE oferece uma "garantia tripla": um gabinete de cumprimento do acordo, dependente do ministério das Finanças, comissões de acompanhamento no Congresso e no Senado e um mecanismo de garantia com a participação da sociedade civil. "Não queremos votos grátis na nossa investidura", acrescentava Sánchez, que admitia que responsáveis do Podemos pudessem dirigir organismos de Estado, mas não ministérios. Em julho, o PSOE tinha oferecido uma vice-presidência e três ministérios ao Podemos.
O primeiro-ministro espanhol em funções agendou uma reunião entre equipas de negociação dos dois partidos para esta quinta-feira. Numa entrevista à TVE, Iglesias garantiu que o Podemos irá comparecer e já foi mais comedido em relação à publicação no Twitter. "Não vamos despachar [o documento] em duas horas como fez o PSOE com a nossa proposta. Algumas medidas soam bem", declarou, frisando que, em eventuais negociações, o seu partido quer falar dos nomes em causa para as equipas ministeriais.
O que propõe o PSOE?
Afinal, o que diz este documento do PSOE com 370 medidas e 75 páginas? Os socialistas consideram que está “muito em sintonia” com as ideias do Unidas Podemos, propondo a reversão da reforma laboral aprovada pelo anterior Governo do PP (centro-direita), subidas das pensões e dos impostos para as classes altas e as grandes empresas (tributação mínima de 15%) e medidas para travar as “subidas abusivas” do custo das rendas. Outro objetivo é a universalização das creches públicas e a luta contra as alterações climáticas, com a criação de “zonas de baixas emissões”, em cidades com mais de 50.000 habitantes.
Segundo o “El País”, Sánchez não quer novas eleições, mas também não quer formar um Governo a toda o custo, pelo que tenta fazer vingar uma espécie de terceira via. A cúpula do PSOE acredita que as negociações podem chegar a bom porto e que, a nível social, há uma grande hipótese de convergência.
Um dos exemplos deste aproximar de posições está relacionada com a eutanásia, mencionada na medida 221 do documento. Promete-se uma “resposta jurídica, sistemática, equilibrada” e que garanta as “exigências sustentadas” da sociedade em relação ao fim de vida. Por isso, será aprovada uma “lei de direitos e garantias da dignidade da pessoa em fase final de vida”, assim como uma “lei orgánica de regulação da eutanásia”, com a sua inclusão nos serviços prestados pelo Serviço Nacional de Saúde.
Caso não haja solução de Governo até 23 de setembro, o rei Felipe VI terá de marcar eleições para 10 de novembro próximo, que serão as quartas legislativas no espaço de quatro anos. Em abril, o PSOE foi o partido mais votado, mas, com menos de 30% das intenções de voto, pelo que precisa do apoio de outras formações políticas nas Cortes.