01 out, 2019 - 13:16 • Redação com Lusa
Os protestos em Hong Kong subiram de tom esta terça-feira, com relatos de pelo menos um manifestante baleado no peito pela polícia.
Essa informação foi entretanto confirmada pela polícia de Hong Kong no Twitter, que adianta tratar-se de um rapaz de 18 anos, e que defende a sua ação sob o argumento de que "as vidas dos agentes estavam sob ameaça dos manifestantes".
O incidente coincidiu com uma entrevista da Lusa ao diretor da Amnistia Internacional (AI) em Hong Kong, Man-kei Tam, que denuncia uma perseguição seletiva de líderes políticos no território e refere que, por vezes, o uso de força policial se aproxima da tortura.
“Em Hong Kong, o sistema judicial é ainda independente e as pessoas continuam a ter julgamentos imparciais, mas, por outro lado, o Governo de Hong Kong tem perseguido seletivamente líderes políticos, assim como manifestantes, que têm feito ouvir a sua voz (…) de oposição”, acusa Man-kei Tam, em declarações à agência Lusa.
“Este tipo de perseguição seletiva vai definitivamente aumentar a pressão sobre o sistema judicial e, a longo prazo, criar um enorme impacto no nosso Estado de Direito”, acrescenta o responsável da AI na ex-colónia britânica, agora administrada por Pequim.
A entrevista ocorreu na segunda-feira, véspera da celebração dos 70 anos da fundação da República Popular da China que se assinalam nesta terça.
Desde junho que se assiste a uma “intensificação do uso excessivo de força policial”, afirma Man-kei Tam, considerando “desproporcionado, desnecessário e ilegal (…), por vezes muito próximo da tortura”.
“É verdade que assistimos a uma escalada de violência dos manifestantes, (…) mas, por outro lado, a um crescente e desproporcionado uso de força policial (…) também contra jornalistas e pessoal médico”, acusou.
Protestos e violência no Dia da China
Hoje, assinala-se o Dia da China em Hong Kong. Milhares de pessoas, vestidas de preto, em luto pela erosão das liberdades no território, saíram às ruas apesar da proibição policial, de estradas bloqueadas e de estações de metropolitano fechadas, dificultando o acesso ao centro da cidade.
O dia comemora os 70 anos da fundação da República Popular da China, mas fica marcado pelos protestos pró-democracia.
A polícia de Hong Kong acusa os manifestantes de usarem um líquido corrosivo que queimou a pele de agentes e jornalistas e informou ter efetuado disparos de aviso, com os confrontos a provocarem o caos na cidade.
“Os manifestantes usaram líquido corrosivo na área de Tuen Mun, ferindo vários polícias e jornalistas”, indicou a força de segurança na sua página na rede social Facebook.
A publicação é acompanhada com várias imagens do corpo de polícias, nas quais é possível ver queimaduras de pele e uniformes que foram atingidos.
“A polícia condena vivamente os atos violentos e apela à população para que salvaguarde a sua segurança pessoal”, pode ler-se na mesma nota.
Antes, as forças de segurança tinham dado a indicação de que “grandes grupos de manifestantes radicais” tinham efetuado um bloqueio em Sha Tin e em Yuen Wo.
Os manifestantes ergueram ainda barricadas que “paralisaram o tráfego nas proximidades”, segundo a polícia, que aproveitou para apelar a todas as pessoas que se encontrem no local para que se retirem.
“Se necessário devem manter as janelas fechadas e permanecer em ambientes fechados”, acrescentam as forças de segurança numa outra publicação.
O maior protesto decorreu na ilha de Hong Kong e juntou pelo menos dezenas de milhares de manifestantes, mas os episódios de violência ocorreram a norte do território, onde, com o fecho de 28 estações de metropolitano, a suspensão de autocarros e bloqueios de estradas efetuados pelas autoridades, muitos ficaram impedidos de participar na maior manifestação, que já tinha sido proibida pela polícia.
No dia em que se assinalam os 70 anos da fundação da República Popular da China, o centro da ilha de Hong Kong foi policiado durante toda a tarde com um helicóptero, que seguiu o maior protesto, com a polícia a posicionar-se ao longo do trajeto junto das estações encerradas ou estrategicamente nas passagens aéreas.
Apesar de a polícia ter proibido manifestações no dia nacional da China, multiplicaram-se os apelos para que a população de Hong Kong saísse de novo à rua para exigir reformas democráticas no território.
Man-kei Tam garante que a Amnistia Internacional quer “descobrir a verdade” e que, por isso mesmo, tenta “documentar o que se passa dos dois lados”, dos manifestantes e da polícia.
“Isso significa que se os manifestantes recorrerem à violência, tal será documentado e mencionado, (…) mas o nosso foco é se a polícia está ou não a usar força legal apropriada sobre os manifestantes, de acordo com a lei e normas internacionais”, precisou.
O Governo de Hong Kong anunciou a retirada formal das emendas à polémica lei da extradição que esteve na base da contestação social desde o início de junho.
Contudo, os manifestantes continuam a exigir que o Governo responda a quatro outras reivindicações: a libertação dos manifestantes detidos, que as ações dos protestos não sejam identificadas como motins, um inquérito independente à violência policial e, finalmente, a demissão da chefe de Governo e consequente eleição por sufrágio universal para este cargo e para o Conselho Legislativo, o parlamento de Hong Kong.
A transferência de Hong Kong para a República Popular da China, em 1997, decorreu sob o princípio "um país, dois sistemas".
Tal como acontece com Macau, para aquela região administrativa especial da China foi acordado um período de 50 anos com elevado grau de autonomia, a nível executivo, legislativo e judiciário, com o Governo central chinês a ser responsável pelas relações externas e defesa.
Ativista pró-democracia diz que "é triste" terem travado manifestação em Macau
A ativista pró-democracia Denise Ho disse, em entrevista à agência Lusa, que “é muito triste” que as autoridades de Macau tenham travado uma manifestação sobre os protestos em Hong Kong.
“Sei que algumas pessoas em Macau quiseram fazer uma manifestação ou uma marcha, mas foram travadas”, o que “é muito triste”, afirmou a cantora que, nos últimos três meses, discursou na ONU e no Congresso norte-americano, em defesa do movimento pró-democracia.
Em entrevista à Lusa, defendeu que “as pessoas têm que acreditar no poder da solidariedade” e que “muitas coisas podem ser feitas de uma forma relativamente segura”.
Contudo, ressalvou, “isso exige que as pessoas usem a sua criatividade e imaginação como a população de Hong Kong mostrou ao mundo”, para insistir numa prioridade: “a segurança está em primeiro lugar”.
A 3 de setembro, o Governo de Macau negou qualquer ação de censura política no território a ações de apoio aos protestos em Hong Kong, garantindo que se mantém salvaguardado o direito à manifestação e liberdade de expressão.
“Não é censura política”, a atuação da polícia “baseou-se sempre em factos objetivos”, defendeu então o secretário para a Segurança, Wong Sio Chak.
Em causa estão pelo menos três episódios, em agosto. Primeiro, a proibição de uma manifestação e posterior atuação policial no dia e no local para onde estava convocada o protesto contra a brutalidade em Hong Kong.
Depois, a deslocação da polícia ao Instituto de Formação Turística (IFT) porque dois estudantes empunhavam cartazes de apoio às reivindicações pró-democracia na região administrativa chinesa vizinha.
Outro, no mesmo contexto dos protestos de Hong Kong, diz respeito a quatro pessoas que foram abordadas pela polícia porque se encontravam a fazer colagens no espaço público, sem que tenham ficado detidos, afiançou o secretário para a Segurança.
O caso mais mediático ocorreu em 19 de agosto, já depois da Corporação da Polícia de Segurança Pública ter proibido naquele dia um protesto pacífico silencioso, no centro de Macau, contra o uso excessivo de força por parte das forças de segurança sobre os manifestantes pró-democracia.
Em 15 de agosto, a polícia alegou que não podia autorizar uma iniciativa de apoio ao que considerou serem "atos ilegais" cometidos pelos manifestantes em Hong Kong e que tal "poderia enviar uma mensagem errada à sociedade de Macau".
Quatro dias depois, montou uma operação no local durante a qual 600 pessoas foram abordadas para identificação, sete das quais foram levadas para interrogatório, com as forças de segurança a sublinharem que não houve lugar a qualquer detenção.
Tal como acontece com Macau, foi acordado para Hong Kong um período de 50 anos com elevado grau de autonomia, a nível executivo, legislativo e judiciário, com o Governo central chinês a ser responsável pelas relações externas e defesa.