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No nordeste da Síria a bola está agora do lado dos curdos

16 out, 2019 - 14:27 • Filipe d'Avillez

Erdogan poderá ter dado o passo necessário para salvar a face e pôr fim ao conflito no nordeste da Síria. Resta saber se os curdos e seus aliados aceitarão a proposta.

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O Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, anunciou esta quarta-feira que “nenhuma potência do mundo” poderá impedir a Turquia de prosseguir os seus objetivos no nordeste da Síria.

Contudo, e apesar do tom dessa afirmação, o líder turco fez também uma declaração que poderá ajudar a pôr fim ao conflito ao dizer a operação “Primavera da Paz” terminará imediatamente, caso as milícias curdas recuem para fora da “Zona de Segurança” de 30 quilómetros de profundida, ao longo dos mais de 400 quilómetros de fronteira entre a Síria e a Turquia.

Erdogan parece indicar, assim, que está disposto a aceitar que esse território, que pretendia conquistar militarmente, fique nas mãos de forças leais ao regime sírio, apoiadas por soldados russos, que nas últimas horas têm ocupado as mesmas bases que foram abandonadas pelos americanos.

A bola fica assim do lado dos curdos e seus aliados. Se estes estiverem dispostos a recuar até ao limite proposto pela Turquia, deixando a defesa das cidades e vilas mais perto da fronteira à guarda do regime, o conflito poderá chegar ao fim. Não é certo, porém, que o façam.

Os curdos e outras milícias aliadas, que juntas formam as Forças Democráticas da Síria (FDS), já saíram de várias das cidades onde chegaram militares do regime, mantendo-se só nas proximidades. Contudo, o governo das mesmas cidades e vilas permanece nas mãos da Administração Autónoma do Nordeste da Síria (AANS) formado por curdos, árabes, cristãos e membros de outras comunidades locais, que ao longo dos últimos anos têm governado o nordeste da Síria como uma região autónoma. A AANS pode temer que, sem a presença do seu braço armado, o regime de Damasco aproveite para tomar também o controlo administrativo, uma vez que Assad nunca aceitou ceder autonomia à região.

O acordo feito entre as FDS e Damasco, com o apoio de Moscovo, é unicamente de natureza militar e motivado pela necessidade de evitar a invasão turca. Os representantes das AANS insistem que as questões políticas, que envolvem o desejo de manter um grau de autonomia, serão tratadas mais tarde.

Por outro lado, os curdos poderão também estar a apostar na ideia de que Erdogan não está disposto a entrar em conflito com a Rússia e a Síria, estejam as suas milícias presentes ou não, e por isso não querer cumprir a exigência de Ancara.

De facto, a probabilidade de Erdogan arriscar um conflito aberto com forças do regime sírio e, por conseguinte, entrar em conflito com Moscovo, é remota. Os russos já disseram que não admitem que as tropas turcas ataquem as sírias. Porém, Erdogan corre o risco de perder apoio interno caso se mostre fraco perante os curdos, especialmente agora, depois de ter começado a invadir território sírio. A operação, que goza de apoio de grande parte da população turca, não está a correr de feição. A Turquia tem evitado colocar os seus próprios soldados nas frentes de batalha, dizendo que está apenas a apoiar milícias sírias na sua tentativa de recuperar o terreno de onde teriam sido expulsos pelos curdos. Contudo, estas milícias, apesar do apoio do segundo maior exército da NATO, ainda não conseguiram ocupar algumas das cidades que atacaram. A cidade de Ras al-Ayn, conhecida pelos curdos como Serekaniye, resiste há oito dias às tentativas de ocupação, um facto que está a ser exibido pelos apoiantes dos curdos nas redes sociais.

Para além disso, as milícias apoiadas pelos curdos já foram acusadas de ser formados em grande parte por jihadistas reciclados de outras milícias ligadas à al-Qaeda, de matar civis, executar presos e mutilar cadáveres, o que não tem contribuído para a popularidade da operação turca entre a comunidade internacional.

A retirada dos curdos para lá dos 30 quilómetros da “zona de segurança” poderia, assim, ser apresentada por Erdogan como uma vitória, uma vez que ele sempre disse que o objetivo da sua operação era expulsar as milícias curdas da zona da fronteira e permitir-lhe pôr fim à operação sem hostilizar as forças nacionalistas do seu próprio eleitorado.

Erdogan não quer Pence, mas este vai na mesma

Depois de os Estados Unidos terem anunciado um pacote de sanções a aplicar à Turquia, devido à invasão da Síria, o vice-presidente de Donald Trump está a caminho de Ancara. Erdogan, contudo, já disse que não aceita reunir com ele, mas só com Donald Trump. A Casa Branca disse que Mike Pence irá na mesma.

As sanções foram recebidas em fúrias por vários políticos turcos, que dizem que vão retaliar. Falando no Parlamento, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Mevlut Cavusoglu disse que as ameaças americanas são inaceitáveis e prometeu abordar o assunto com Pence quando ele estiver em Ancara.

Cavusoglu diz que as relações entre Washington e Ancara, que comandam os dois maiores exércitos da NATO, estão num ponto crítico.

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