27 out, 2019 - 10:13 • Filipe d'Avillez
Um ataque levado a cabo por forças especiais americanas, na noite de sábado para domingo, causou a morte de Abu Bakr al-Baghdadi, o líder do autoproclamado Estado Islâmico, garantiu esta tarde o Presidente americano Donald Trump.
A notícia da possível morte de Baghdadi começou a circular esta manhã, depois de o Presidente Donald Trump ter publicado um tweet em que disse que “acabou de acontecer uma coisa muito importante”, sem elaborar. A notícia já estava a ser dada como certa por fontes no terreno, mas acabou por ser confirmada pela Casa Branca.
Na sua declaração Donald Trump agradeceu a ajuda de vários parceiros, incluindo a Rússia, Síria, Turquia, Iraque e ainda os curdos, bem como as forças americanas que levaram a cabo o raide. A colaboração da Rússia foi particularmente louvada, uma vez que foi necessário sobrevoar território russo. O Presidente recordou algumas das atrocidades cometidas pelo Estado Islâmico e disse que o mundo agora é um lugar mais seguro, depois de al-Baghdadi ter morrido "como um cão e como um cobarde", ativando um colete de explosivos depois de ter sido encurralado num túnel. A identidade do líder terrorista foi confirmada por recurso a testes de ADN feitos no local.
Na operação morreram "muitos homens" de Baghdadi e pelo menos duas mulheres, bem como três crianças que morreram por ação do próprio terrorista, disse o Presidente, que assistiu a tudo em direto, mas entre os americanos não morreu ninguém. Outras 11 crianças foram resgatadas vivas do local onde o terrorista se encontrava escondido e alguns homens também foram capturados vivos.
Esta não é a primeira nem a segunda vez que se anuncia a morte de Baghdadi, que tem mostrado ser muito apto a escapar às autoridades dos vários países que o querem matar ou capturar.
O mundo reage
Vários países e organizações mundiais já reagiram ao anúncio da morte de Baghdadi.
A Rússia, não obstante os elogios que lhe foram feitos por Donald Trump, mostrou-se cautelosa, dizendo que não tem ainda dados suficientes para confirmar "mais esta" morte de al-Baghdadi, fazendo assim uma alusão irónica ao facto de o líder do Estado Islâmico ter sido dado como morto várias vezes no passado.
A ministra da Defesa de França, Florence Parly, também ironizou, mas noutro sentido, anunciando na sua conta do Twitter a "reforma antecipada de um terrorista, mas não da sua organização".
"Continuaremos com os nossos parceiros a combater o Estado Islâmico e adaptar-nos-emos às novas circunstâncias regionais", conclui Parly.
Do Médio Oriente chega a garantia do Iraque de que foram os seus serviços de informação a fornecer a localização de al-Baghdadi, enquanto as Forças Democráticas da Síria, que com o apoio dos Estados Unidos conseguiram derrotar territorialmente o grupo terrorista, garantem que a infromação que deram aos americanos foi fundamental e que o ataque turco ao nordeste da Síria atrasou esta operação em cerca de um mês.
Depois do fim do califado, o fim do califa
No seu auge, Baghdadi governava com punho de ferro um território que abrangia um terço da Síria e um terço do Iraque, que foi proclamado pelo próprio como um califado, o Estado Islâmico, que segundo a organização seria o único estado verdadeiramente fiel ao Islão, e para onde todos os muçulmanos deviam viajar para combater pela fé. Milhares acudiram à chamada, vindos de todas as partes do mundo e o grupo levou a cabo atos de genocídio contra membros de minorias religiosas que viviam nas áreas que controlavam, incluindo cristãos e yezidis, cujos homens eram massacrados e as mulheres capturadas e usadas como escravas sexuais. Apesar de não ser reconhecido por mais nenhum país, o Estado Islâmico funcionava como um estado de facto, chegando a anunciar que ia cunhar moeda própria.
O Estado Islâmico tornou-se famoso em grande parte pela sua máquina mediática, filmando e editando de forma profissional vídeos de execuções de prisioneiros e reféns, incluindo a degolação de ocidentais e o fuzilamento de alegados espiões por crianças. Num caso particularmente horrendo um piloto jordano foi colocado numa jaula e queimado vivo. Tudo isto era partilhado nas redes sociais por uma legião de adeptos, muitos dos quais vivendo no ocidente.
Ao longo dos últimos anos o território controlado por Baghdadi foi sendo reconquistado, pelas forças armadas iraquianas, no Iraque, onde o grupo tinha ocupado a segunda maior cidade do país, Mossul, e pelas Forças Democráticas da Síria, na Síria, precisamente a mesma coligação de milícias cristãs, árabes e sobretudo curdas que foram abandonadas por Donald Trump nas últimas semanas e deixadas à mercê das forças turcas que atacaram o nordeste da Síria.
Sem território, al-Baghdadi e o seu séquito estavam escondidos em parte incerta, mas segundo a informação disponível terão sido localizados pelos serviços de informação americanos e liquidados nesta operação.
Baghdadi, como viria a ser conhecido, nasceu em 1971 em Tobchi, um local pobre, próximo de Samarra, a norte da capital iraquiana, numa família ligada à corrente ultraconservadora salafita do Islão. Em 2003 começou a combater o exército americano, que acabara de invadir o país para destronar Saddam Hussein. Chegou a ser capturado pelos americanos, que o libertaram, considerando que não era uma ameaça real.
Acabou por chegar à chefia de um grupo de insurretos, aparentemente apenas mais um no meio de tantos outros, mas que chocou o mundo quando em 2014 os seus guerrilheiros conseguiram tomar de assalto Mossul, desbaratando completamente o exército iraquiano mal treinado e capturando milhares de soldados que foram prontamente fuzilados e enterrados em valas comuns. Nesse mesmo ano Abu Bakr al-Baghdadi subiu ao púlpito da mesquita principal da cidade e proclamou-se califa. O anúncio era carregado de simbolismo, enquanto califa al-Baghdadi estava a declarar-se sucessor de Maomé e líder espiritual e temporal de todos os muçulmanos do mundo.
A influência do Estado Islâmico não se fazia sentir apenas no território que controlava. Terroristas diretamente inspirados pelo grupo terrorista levaram a cabo atentados em cidades de vários países ocidentais e alguns grupos de terrorismo islâmico continuam a jurar fidelidade ao grupo, em locais como as Filipinas e a Nigéria.
Sucessão aberta
Apesar de o grupo estar muito diminuído, os especialistas concordam que o Estado Islâmico permanece uma ameaça.
Al-Baghdadi tinha a vantagem de ser um líder inquestionável, associando um passado militar à formação religiosa. Mas em parte por causa de operações que foram matando os seus principais aliados e também pelo temperamento do próprio, que eliminou os seus principais rivais, não será fácil encontrar um sucessor que inspire a mesma lealdade. Os seus principais aliados atualmente, presumindo que ainda estão vivos, são sobretudo soldados sem formação formal religiosa. Donald Trump diz que os possíveis sucessores estão indentificados e serão também perseguidos.
A confirmar-se a morte de Baghdadi a notícia não podia ter surgido em melhor altura para Donald Trump, que estava debaixo de fogo até dos seus principais aliados nos Estados Unidos pela forma como abandonou os curdos. A eliminação do terrorista mais procurado do mundo será um trunfo equivalente à morte de Bin Laden, durante a Presidência de Obama. Durante a sua conferência de imprensa Trump disse mesmo que a morte de Baghdadi era mais importante que a de Osama bin Laden.
Em todo o caso, mesmo os mais otimistas estão cautelosos, uma vez que Abu Bakr al-Baghdadi já foi dado como morto pelo menos três ou quatro vezes antes. Em junho de 2016, já sabendo da sua tendência para sobreviver aos ataques, a Renascença publicou uma notícia com o título "Líder do Estado Islâmico terá sido morto... Outra vez" e em julho de 2017 outra com o título "Fontes do Estado Islâmico confirmam morte de líder", seguida passados poucos dias por "Notícia da morte do líder do Estado Islâmico terá sido exagerada".
[Notícia atualizada às 14h57]