29 jan, 2020 - 07:50 • Joana Azevedo Viana com Vasco Gandra (em Bruxelas) e António Fernandes (em Londres)
Apesar de a data formal de saída ser 31 de janeiro, a partir desse dia o país ainda fica com um pé dentro da UE. O que se inicia nesse dia é o chamado período de transição para a saída, que tem já um prazo definido para acabar: a 31 de dezembro de 2020. Se nada mudar até lá, será nesse dia que a saída do Reino Unido estará finalizada.
Em Bruxelas vai decorrer uma cerimónia para marcar a data, mas a Comissão Europeia ainda não avançou pormenores. Será algo discreto – a UE não quer celebrar a saída (inédita) de um Estado-membro. Também ainda não se sabe quando será essa cerimónia, se na sexta-feira à noite se no sábado de manhã. O que é claro é que, no dia seguinte, 1 de fevereiro, as instituições da UE já não terão hasteada a bandeira do Reino Unido.
Já em Londres, tudo indica que as coisas continuarão iguais durante o período de transição, sendo que só no final deste é que o caos poderá ficar instalado – até porque na legislação britânica relativa à saída da UE, o chamado Acordo de Retirada que o Parlamento britânico ratificou em dezembro, ficou definido que não pode haver qualquer extensão do período de transição.
No dia 31 de janeiro, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, deverá falar à nação ao cair da noite, havendo algumas coisas que estão a ser preparadas para marcar a ocasião. A ideia de festejar a data formal de saída não agrada a todos (pouco mais de metade dos eleitores que foram às urnas em 2016 votaram pela retirada e, quase quatro anos depois, o país continuamente profundamente dividido).
À partida, e para além da retirada da bandeira da UE dos espaços institucionais, haverá uma contagem decrescente em Downing Street à meia-noite. Para além disso, a casa da moeda no País de Gales vai estar aberta durante 24 horas nesse dia para quem quiser imprimir a sua própria moeda a assinalar a data do Brexit. (Uma curiosidade: essas moedas comemorativas já tinham sido criadas em outubro, mas tiveram de ser derretidas por causa do adiamento da saída.)
Ao longo do período de transição, os britânicos vão continuar a fazer parte do mercado único e da união aduaneira, mas deixarão de integrar as instituições políticas europeias, incluindo o Parlamento Europeu – o que significa que os 73 eurodeputados eleitos no Reino Unido em maio de 2019 vão deixar os seus assentos vazios. Esses lugares serão redistribuídos nas próximas semanas por entre 14 dos 27 Estados-membros; Portugal não faz parte da lista.
Os próximos meses servirão para os dois lados negociarem um acordo de trocas comerciais que, na prática, mantenha os britânicos com um pé dentro da União – ou, no caso, dentro do mercado único. Essa será a primeira prioridade da UE e também do Reino Unido, que pretende continuar a aceder ao máximo aos bens e serviços do espaço comunitário. Dada a complexidade das negociações que se avizinham, não resta muito tempo para os dois lados alcançarem consensos. Do lado de Bruxelas, pode levar semanas até os 27 Estados-membros e o Parlamento Europeu chegarem a um acordo sobre quem ficará a cargo destas negociações.
Dada a necessidade de total consenso interno, as negociações formais com o Reino Unido poderão só arrancar em março – e, em declarações à Renascença, uma fonte da Comissão Europeia não exclui a possibilidade de se alargarem para lá de 2020.
Em Londres, fala-se em “fish for finance”. Manter (...)
Não. Para além da parte económica e financeira, os dois lados também têm de decidir como vão cooperar ao nível da segurança transfronteiriça e da aplicação da lei, a par de uma série de outros tópicos. Com a saída da UE, os britânicos deixarão de fazer parte do esquema de mandados de detenção europeus, pelo que terão de encontrar um acordo alternativo à luz de fenómenos como o terrorismo.
Se até ao final deste ano for alcançado um acordo, Reino Unido e UE inauguram a sua nova relação bilateral a partir de janeiro de 2021. Se, pelo contrário, não houver acordo, os britânicos poderão abandonar o bloco no arranque do próximo ano sem esse guia para a futura relação com a UE, pelo que ficará sujeito a medidas iguais às que hoje são aplicadas a países que não integram o bloco mas com quem os europeus fazem trocas – entre elas a aplicação de tarifas sobre as exportações para o espaço europeu.
Tecnicamente, o Reino Unido tem até 30 de junho para pedir à UE uma prorrogação do período de transição, para lá de janeiro de 2020. O Governo conservador de Boris Johnson, contudo, já fez saber que não pretende fazê-lo. Caso as circunstâncias mudem, o Parlamento britânico terá de aprovar nova legislação que permita pedir à UE uma nova extensão do prazo.
São vários, a começar com o Orçamento comunitário. Numa altura em que a UE está a debater o seu orçamento para o período 2021-27, a partida do Reino Unido deixa uma lacuna gigante no bolo de fundos disponíveis, sendo que os que mais contribuem para o Orçamento da UE não querem pagar mais para compensar a falta de dinheiro britânico e que todos querem continuar a receber o mesmo nível de apoios de Bruxelas.
A par disso, e considerando que o Reino Unido era, até agora, o maior Estado-membro da UE que não integrava a moeda única, os restantes oito países que mantiveram as suas divisas perdem o seu maior aliado na hora de negociar com os parceiros da Zona Euro quando as duas barricadas divergem.
Reino Unido
Tudo o que já aconteceu desde que 52% dos britânic(...)
Já ao nível da defesa, segurança e assuntos externos, há que ter em conta que a UE perde um dos dois únicos Estados-membros com assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. A par disso, o Reino Unido era o único membro da UE que pertencia ao grupo de partilha de informações estratégicas conhecido como a "Aliança dos Cinco Olhos", o que permitia ao bloco comunitário ter acesso privilegiado ao trabalho de espionagem desenvolvido pelos EUA.
É por esse motivo que a UE vai partir para as negociações de transição empenhada em manter uma relação o mais estreita possível com o Reino Unido em matéria de segurança e defesa. Para além disso, a saída dos britânicos deverá reforçar a posição de França no contexto europeu e transatlântico, numa altura em que o Governo de Emmanuel Macron está empenhado numa maior integração europeia também ao nível da defesa.
Falando em Macron, a Reuters antecipa que o vazio deixado pelo Reino Unido vai reforçar o "motor" franco-alemão dentro da UE. Contudo, e dado que Angela Merkel está prestes a abandonar a chancelaria, o Presidente francês está na calha para ver a sua voz ganhar peso no contexto dos assuntos europeus.
Para o fim fica um dos pontos mais bicudos da lista de consequências do Brexit: o liberalismo económico e as trocas comerciais. A começar pelo facto de o Reino Unido e a União Europeia terem pela frente negociações distintas quer com os EUA quer com a China, o que poderá trazer mudanças significativas nas mais importantes relações económicas do mundo.