26 abr, 2016 - 07:00 • Filipe d'Avillez
Em 2012, Tom Mortier recebeu um telefonema a pedir que se dirigisse ao hospital para tratar da burocracia resultante da morte da sua mãe. Chocado, Tom descobriu que a sua mãe tinha pedido eutanásia, apesar de não sofrer de qualquer doença terminal, e que esta lhe tinha sido administrada sem que a família fosse notificada.
“Este caso mostra tudo o que pode correr mal quando a eutanásia é legalizada”, diz, em entrevista à Renascença, Robert Clark, da organização conservadora e cristã norte-americana Aliance Defending Freedom, que representa Mortier no seu processo contra o Estado belga, diante do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Esta terça-feira será entregue no Parlamento português uma petição que pede a legalização da eutanásia.
Representam Tom Mortier no seu processo no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Qual é a base deste processo?
A eutanásia da mãe do Tom abalou todo o seu mundo, afectando a sua família e os seus filhos. A eutanásia é uma má prática médica. Foi oferecida neste caso a uma mulher que tinha sido diagnosticada com uma depressão, uma doença que é episódica por natureza, e, apesar disso, permitiu-se que ela fosse ao médico obter uma receita de morte.
O que é que ele pede no Tribunal Europeu?
O processo é contra o Estado belga e alega que o país não defendeu o direito à vida desta mulher. O Governo tem a responsabilidade de proteger o direito à vida dos seus cidadãos, de forma particular os vulneráveis, como é o caso de uma pessoa com depressão. Argumentamos ainda que a Bélgica violou o direito do Tom à vida familiar.
A particularidade deste caso é que temos a mesma pessoa a agir como juiz, júri e carrasco. O médico que eutanasiou a mãe do Tom está na comissão federal que regula a eutanásia no país. Não só é um dos grandes promotores da eutanásia na Bélgica, mas também a pratica e depois faz parte do painel que revê todas as mortes por eutanásia para ver se cumprem a lei. As salvaguardas não são adequadas e este caso mostra tudo o que pode correr mal quando a eutanásia é legalizada.
Tom Mortier diz que antes deste caso ele não se preocupava com a eutanásia, que sentia que era algo que não lhe dizia respeito. Ouvimos dizer que vastas maiorias na Bélgica, Holanda e Suíça apoiam estas leis, será pela mesma razão?
A nossa experiência é que existe um enorme nível de ambivalência, as pessoas não se preocupam porque o assunto não lhes afecta directamente. Era o caso do Tom. Mas agora sentiu-se obrigado a falar. E temos visto cada vez mais pessoas a levantar a voz, não só em relação ao facto de a Bélgica ter estendido a eutanásia a crianças, mas também em relação à ideia de estendê-la a doentes que sofrem de demência.
Pode descrever em traços gerais a lei actual na Bélgica?
A lei permite que quem sofra de uma condição, física ou mental – o que representa uma dificuldade – procure um médico, nem tem de ser o seu médico habitual. A senhora Mortier, por exemplo, estava a ser tratada por um psiquiatra que lhe tinha dito que não seria uma candidata à eutanásia, por isso foi procurar o dr. Distelmans e pediu-lhe a ele.
Não é necessário que o doente seja maior de idade. O pedido tem de ser feito e repetido e a lei diz que não pode ser fruto de pressão externa e que o doente tem de estar numa condição incurável e com sofrimento físico ou mental constante e incomportável que não possa ser aliviado. Mas como é que se avalia isso? É um problema constante na lei.
O pedido é voluntário? Foi bem pensado? Isto não são avaliações médicas, são decisões com as quais muitos médicos não se sentem confortáveis e em muitos casos não sentem sequer que é correcto estar a decidir sobre isso. Resumindo, não existem simplesmente salvaguardas que indiquem que esta seja uma prática segura, que devia ser encorajada ou promovida.
Houve agora um caso referido para investigação criminal, de uma senhora de perfeita saúde que dizia que estava “cansada de viver”. Apesar das supostas salvaguardas, ela foi morta por outro médico bastante conhecido como defensor da eutanásia.
Recentemente, o arcebispo de Bruxelas criticou a falta de salvaguardas para objectores de consciência. Isso é uma preocupação?
Sem dúvida! Neste momento decorre um processo contra um lar católico que recusa praticar eutanásia e isso está a ser desafiado nos tribunais.
Temos assistido a um assalto à liberdade de consciência dos profissionais de saúde, muitos dos quais se queixam de um ambiente muito hostil na Bélgica para quem se atreve a falar contra a eutanásia. Parece haver uma falta de vontade na Bélgica de escrutinar a prática e de perguntar o que se está realmente a passar. Os números estão a aumentar exponencialmente, ao ponto que numa das regiões da Bélgica a probabilidade de ser morto pelo seu médico é agora de 2%.
O manifesto português define a eutanásia como “a resposta a um pedido do próprio — informado, consciente e reiterado —“ de “antecipar ou abreviar a morte de doentes em grande sofrimento e sem esperança de cura.” Na sua experiência, isto descreve a prática na Bélgica?
É uma linguagem muito parecida com a legislação que vemos noutros lados e que levou a um aumento constante de mortes por eutanásia e ao aumento progressivo das categorias de pessoas que a ela podem recorrer. Vimos isto na Bélgica. Na altura em que foi introduzida a lei o argumento era que seria a excepção e não a regra, que só seria permitido em casos verdadeiramente excepcionais e só com fortes salvaguardas. Na prática o que vemos é precisamente o contrário e eu encorajaria qualquer país que esteja a considerar isto a olhar para os exemplos reais para ver o que se passa quando a eutanásia é legalizada. A imagem que resulta é sempre igual e apresenta um cenário muito negro.
Os defensores da eutanásia advogam o direito a morrer com dignidade. Na sua opinião, a legalização da eutanásia trouxe mais dignidade aos doentes belgas?
Temos de nos afastar desta ideia da morte serena, num quarto confortável, rodeado da família. Não é isso que acontece nos casos que nos chegam. Neste caso uma mulher deprimida conseguiu ser eutanasiada depois de relativamente poucas consultas, sem que o seu filho tivesse conhecimento.
No Reino Unido a proposta de lei da eutanásia foi contestada por todas as principais associações representativas dos deficientes, porque percebem as pressões implícitas ou mesmo explícitas a que as pessoas podem ser sujeitas. O que é que isto diz da sociedade em que queremos viver? Essa é a verdadeira questão. Queremos viver numa sociedade que responde ao sofrimento terrível com a morte, ou com tratamento, cuidados e compaixão?