05 mar, 2020 - 19:31 • Tiago Palma , Joana Gonçalves
Face à propagação de “fake news” referentes ao novo coronavírus, maioritariamente no WhatsApp, mas igualmente em redes sociais como o Facebook ou o Twitter, 91 organizações internacionais de “fact-checking”, oriundas de 40 países diferentes, uniram esforços no combate à desinformação e aderiram no final de janeiro ao “CoronaVirusFacts Alliance”. Em pouco mais de um mês, o projeto de jornalismo colaborativo identificou (e provou serem falsas) 576 informações difundidas em todo o mundo.
Segundo a coordenadora do projeto, Cristina Tardáguila, que é igualmente diretora-adjunta do “International Fact-Checking Network”, o seu trabalho incidia sobretudo em grandes eventos políticos, económicos ou ambientais, tais como o G20, o Fórum de Davos, a Assembleia Geral da ONU ou a Cimeira do Clima.
No entanto, o trabalho de “fact-checking” sobre o coronavírus “tem uma grande diferença”. E explica, citada pelo “Knight Center for Journalism in the Americas”: “Normalmente, as nossas colaborações têm um prazo para acabar. Agora, não fazemos a menor ideia de quanto tempo vamos ter de desinformação sobre o coronavírus. Nós, com 90 organizações, em um mês, já fizemos 570 ‘fact-checks’. Se cobrirmos durante um ano o coronavirus, isto vai ‘explodir’. Tem muito potencial em termos de intensidade de produção. E não temos horizonte para terminar”.
A vontade de desenvolver o projeto surgiu, explica Cristina Tardáguila, quando oito pessoas na China foram detidas, acusadas pelo Governo de publicar notícias falsas sobre uma doença altamente contagiosa. Tratava-se, veio a saber-se mais tarde, do coronavírus. Antes mesmo de se saber, Tardáguila reuniu-se, em janeiro, com a editora-chefe do “Taiwan FactCheck Center”, Summer Chen.
“A Summer avisou-me que o assunto ia crescer. Então, eu mandei uma pergunta para o nosso grupo de Slack, que tem cerca de 350 ‘fact-checkers’, para saber se tinham interesse em fazer uma colaboração sobre isso. Foi numa sexta-feira de manhã. À tarde já tinham aderido 60 ‘fact-checkers’, todos muito preocupados e alertando sobre notícias falsas nos respetivos países”, recorda Cristina Tardáguila.
Hoje, o trabalho do “CoronaVirusFacts Alliance” continua a funcionar via Slack. Além disso, existem três documentos partilhados no Google Drive. O primeiro é uma tabela, explica Tardáguila, “com uma infinidade de colunas”, em que são disponibilizadas várias informações: a mentira que foi verificada, com link e data, bem como um pequeno resumo da verificação, igualmente com link e data de publicação, nome e contato do ‘fact-checker’, além de um campo para indicar se a verificação passou por alguma correção. “Ainda temos mais dois documentos: um com tudo que sabemos que é falso e outro com tudo que sabemos que é verdadeiro”, adianta a jornalista.
Entre notícias falsas, Cristina Tardáguila reconhece traços comuns. “Percebemos que as mentiras são idênticas. Elas aparecem na Ásia, na Europa, na América Latina. É o mesmo vídeo, a mesma foto, o mesmo texto.”
A coordenadora do projeto identifica ainda três “ondas” de desinformação. A primeira dizia que o vírus seria antigo e que foi desenvolvido para, posteriormente, ser vendida uma vacina que o curaria. Uma segunda dizia respeito às origens, falsas, da doença, como bananas, sopa de morcego ou o pangolim. “E havia, claro, as teorias da conspiração: que o Bill Gates era o responsável ou que são armas biológicas da China”, explica Tardáguila.
Muitas das informações falsas veiculadas nas redes sociais vêm normalmente acompanhadas de fotografias ou vídeos falsos. “Surgiram vários vídeos de pessoas a cair devido ao coronavírus. Na verdade, são vítimas de enfarte ou pessoas que estavam alcoolizadas. A montagem fazia parecer que toda a gente estava a morrer”, denuncia.
Às informações falsas há a acrescentar, claro, as “curas” miraculosas, da sopa de alho à vitamina C. Ou pior. “Nos Estados Unidos tornou-se popular que beber água sanitária preveniria o coronavírus. Na Índia dizia-se que seria a urina de vaca. E depois começaram a anunciar-se vacinas que, na verdade, ainda nem sequer existem”, explica também Cristina Tardáguila.
Muitas das informações falsas veiculadas nos últimos meses não são meramente desinformação; por vezes têm um objetivo político. O “CoronaVirusFacts Alliance” identificou várias de cariz racial ou religioso, que faziam crer que algumas pessoas estariam mais vulneráveis ou mais protegidas da doença.
“Dizia-se, por exemplo, que os muçulmanos não contrairiam coronavírus e que, portanto, nos deveríamos converter. Ou que se fossemos de uma certa raça, teríamos a doença. É por isso que expulsam pessoas do metro ou de lojas só porque aparentam ser asiáticas. Percebemos também que há vários movimentos a aproveitar-se da desinformação para 'empurrar' as suas ideologias, as suas bandeiras. É o caso dos movimentos antivacinas, dos movimentos racistas ou de algumas religiões”, explica.
Por fim, Cristina Tardáguila deixa ainda críticas ao Google, ao Facebook e ao Twitter, que adotaram medidas para combater a proliferação de informações falsas, “mas poderiam fazer muitíssimo mais”.