10 mar, 2020 - 15:50 • Ângela Roque
Francisca Onofre esteve 14 meses à frente do Serviço Jesuíta aos Refugiados da Grécia, em Atenas, onde desenvolveu projetos de apoio a refugiados e migrantes. Regressou a Portugal em novembro último, mas continua a acompanhar de perto a situação, que piorou nas últimas semanas, depois da Turquia ter aberto as fronteiras, pressionando a entrada na Europa através da Grécia.
“Tenho acompanhado o que se passa com bastante preocupação e também desilusão, com a resposta que estamos a dar à quantidade de pessoas que deseja pedir asilo e não consegue”, refere Francisca Onofre, que lamenta a decisão do governo turco.
“Desde 27 de fevereiro que decidiu abrir as suas fronteiras, sendo que a Europa decidiu fechá-las ainda mais, por isso agora temos um número muito elevado, mais de 3 milhões de refugiados sírios que vivem na Turquia, e outros refugiados de outros países, que estão num limbo: enquanto a Turquia os tenta pôr fora, para pressionar a Europa, a Europa fecha fronteiras”.
Recusando que se esteja a assistir a uma “invasão da Europa”, como alguns defendem, porque “são pessoas como nós, que tentam ter uma vida digna”, a jovem portuguesa diz que a situação nos campos de refugiados é cada vez mais dramática. “O ano passado, em janeiro tínhamos à volta de 75 mil refugiados na Grécia, hoje em dia são 115 mil e 600, sendo que à volta de 74 mil vivem na parte do continente e 41 mil nas ilhas”.
Francisca explica que “as ilhas são pequenas e estão muito congestionadas. A população, que em 2015 assistimos a acolher de braços abertos as pessoas que chegavam, neste momento está preocupada e revoltada com a situação, por saberem que onde moram há campos de refugiados em que as condições em que as pessoas vivem são completamente desumanas”. Mas, no continente a situação não é melhor. “Atenas está muito cheia de requerentes de asilo, de refugiados e de migrantes, por isso neste momento é a Grécia inteira que está a braços com uma situação que não pode ser só a Grécia a resolver. É da responsabilidade de todos nós, é responsabilidade da Europa”.
Francisca Onofre receia que a situação possa ficar ainda pior, agora que já foi detetado pelo menos um caso de infeção pelo novo coronavírus na ilha de Lesbos, e diz se a doença alastrar nos campos de refugiados “pode ser uma calamidade!”.
“Pode ser, e vai ser de certeza. O sistema nacional de saúde na Grécia, pela minha experiência, não é muito organizado”, diz, lembrando que para além do problema da língua, que é real - porque “a maioria das pessoas que vive em campos de refugiados não fala grego, e quem trabalha nos hospitais também não fala a língua das pessoas que vivem nos campos de refugiados” -, desde o ano passado que os requerentes de asilo, e quem não tem ainda o estatuto de refugiado, “não tem direito a um sistema de saúde igualitário. Por isso, não sei como é que a Grécia vai agora fazer frente a uma epidemia que se pode alastrar, e nos campos de refugiados é muito possível que alastre rapidamente, devido às condições”.
Muito crítica da política da União Europeia em relação aos migrantes e refugiados, Francisca Onofre diz que falta solidariedade entre países, e que não é pagando à Turquia ou à Grécia para ficarem com as pessoas que se resolve um problema que é de todos, e não pode ser ignorado. “Não podemos ser solidários só a dar dinheiro, e vemos isso pela Turquia. Os que tentam entrar na Europa parecem uns peões num jogo de poderes”.
“A Europa não está a apoiar a guerra síria, nem as decisões que a Turquia está a tomar em relação à Síria, mas as pessoas não podem ser usadas como moeda de troca, e é isso que neste momento está a acontecer. São pessoas que já passaram por situações horríveis, inimagináveis, e agora estão num limbo, e nós simplesmente estamos a fechar olhos”, lamenta, lembrando que “a Grécia não está assim tão longe. Às vezes fechamos os olhos para situações muito longíquas, mas aqui estamos a falar de um país que é nosso, que é europeu”.
Para Francisca Onofre não é justo esperar que a Grécia resolva o problema sozinha. E embora reconheça que Portugal tem sido dos países mais solidários – ainda esta segunda-feira se disponibilizou a receber menores que se encontram sozinhos nos campos de refugiados das ilhas gregas -, acha que o nosso país podia fazer muito mais. Bastava “cumprir o acordo bilateral que firmou com o governo de Atenas, para acolher refugiados”.