17 mar, 2020 - 00:33 • António Fernandes, correspondente em Londres
Tal como no resto da Europa, o número de casos positivos de coronavírus tem estado a subir no Reino Unido. Ainda assim, ao contrário da maioria dos países afetados na Europa, as medidas para lidar com a Covid-19 têm tido pouco impacto no dia a dia dos britânicos. Esta segunda-feira, numa conferência de imprensa que passa agora a acontecer diariamente, o primeiro-ministro, Boris Johnson, ladeado pelos seus conselheiros científicos e médicos, anunciou que isso muda a partir de agora.
Depois de passar semanas a controlar a propagação do novo vírus no país, identificando e isolando os casos que foram surgindo, o Governo passou para a fase seguinte do seu plano na passada quarta-feira, mudando de conter para adiar. Só que na prática a principal mudança foi que qualquer pessoa com sintomas, por mais leves que fossem, de febre ou tosse, passou a ter indicação para ficar em casa sete dias.
Não se tratava de uma ausência de medidas, antes de uma estratégia em tudo diferente do que está a ser feito em Espanha, França ou, num caso mais extremo, Itália. O Reino Unido, explicou o conselheiro chefe do Governo para a Ciência, Patrick Vallance, queria evitar suprimir o vírus de forma veemente agora, por temer que pudesse voltar, numa altura em que o período de quarentena tivesse terminado. No entretanto, a ideia era tentar criar uma imunidade de grupo, permitindo que mais pessoas fossem infetadas nesta altura, esperando quebrar o ritmo de contágio mais à frente. Essa proposta foi criticada por um grupo de mais de 200 académicos britânicos, que acusaram o Governo de pôr em risco mais vidas do que o necessário.
Agora, perante a pressão pública e o avolumar de casos positivos (1.543) e de mortes (55), o Governo fez uma inversão de marcha e passa a impor medidas mais rigorosas no imediato.
Boris Johnson disse que as medidas, que apelidou de drásticas, eram necessárias porque o Reino Unido se aproxima de uma fase de crescimento acelerado do número de infetados pelo novo vírus. Um modelo matemático da Imperial College London previa que a anterior estratégia de tentar abrandar o vírus sem o parar ia pôr ainda mais pressão sobre os serviços de saúde e podia levar a 260 mil mortes no Reino Unido.
O distanciamento social passa agora a ser parte integral da estratégia. O primeiro-ministro recomendou o teletrabalho onde possível, disse que os encontros e as visitas a amigos e familiares devem ser evitados ou reduzidos ao estritamente necessário, e que todos devem evitar locais com muita gente, como os pubs, discotecas ou teatros. As escolas continuam abertas por agora. Inês Campos Matos, uma médica portuguesa que faz parte da equipa de resposta ao novo vírus no Reino Unido, explicou à Renascença que neste momento “não sabemos se as crianças são bons vetores de contágio” e que por isso essa medida podia não ser eficaz.
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Para além disso, todos aqueles que tiverem sintomas como febre ou tosse e partilhem casa devem ficar de quarentena por 14 dias, que se estende aos outros residentes.
O principal conselheiro médico, Chris Whitty, disse também que se deve ter particular cuidado com aqueles que tenham mais de 70 anos, outros problemas de saúde ou mulheres grávidas. Deixou também o aviso de que o lutar contra esta epidemia “é uma maratona, não um sprint”.
As medidas são para todo o Reino Unido, mas particularmente importantes para aqueles que vivem em Londres. Nos últimos dias, as ruas da capital britânica, onde vivem cerca de 10 milhões de pessoas, eram o último reduto do convívio em público nas grandes cidades da Europa.
Restaurantes, pubs e lojas, por exemplo, continuavam cheios, assim como os transportes. A aparente normalidade ganhava traços de estranheza, pela oposição com o deserto de outras capitais, como Madrid. Os números mostram que é em Londres que se concentram grande parte dos casos, perto de 500 nesta altura, e Boris Johnson pediu a colaboração dos londrinos para evitar a sobrecarga dos serviços de saúde.
No West End, onde vive o teatro da capital, os teatros anunciaram esta noite que vão fechar. Frustrados, não com a situação, mas com o facto de o primeiro-ministro ter aconselhado que se evitassem os teatros sem os ter encerrado. Por não o ter feito, os teatros, forçados virtualmente a fechar portas, não se qualificam para receber a compensação das seguradoras, com um impacto forte nas contas das produtoras.
Outros eventos de massas, como os desportivos ou concertos, deixaram de ser viáveis depois de o Governo não os ter proibido, mas ter anunciado que os serviços de emergência não estarão disponíveis para esses eventos, por questões de segurança médica.
Quando acordar, o Reino Unido passa a fazer parte da Europa vivida dentro de portas, a Europa das ruas desertas. A Europa que tenta combater um inimigo invisível.
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