10 abr, 2020 - 18:51 • Hugo Monteiro
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Médicos portugueses na Suécia explicam como são diferentes as estratégias seguidas pelas autoridades daquele país nórdico relativamente ao que se passa em Portugal. A falta de material leva a que só alguns doentes sejam testados. Mas a comunidade portuguesa está dividida quanto à decisão do Governo sueco de não impor, por lei, medidas de contenção.
Lisa Caiado Thorfinn está há nove anos na Suécia, onde se especializou em emergência médica. Atualmente a trabalhar nas urgências do Hospital de Linköping, descreve o que diz ser “uma situação descontrolada”, num país que “onde não há quarentena”.
As proibições são poucas e “o Governo só recomendou às pessoas que não façam festas, evitem visitar os familiares e trabalhem a partir de casa”.
A isto acresce “a norma que estabelece que nos hospitais só sejam testados os doentes que são internados”. “Todos os doentes que, como médica, atendo na urgência, que não precisam de internamento hospitalar, eu mando-os para casa. Digo-lhes, é possível que isto seja Covid-19, mas vá para casa, porque eu não posso testar”, relata.
Lisa Caiado Thorfinn reconhece que essa decisão de limitar os testes se deve “a uma falta de material, nomeadamente a falta de reagentes nos laboratórios e porque o Governo tem essa estratégia de que não é preciso testar toda a gente. O que é o oposto de muitos outros países”.
São fatores que levam esta médica portuguesa a prever que o pior ainda está para chegar e que “os números vão aumentar muito”, até porque já há “casos de Covid-19 em mais de 100 lares em Estocolmo”.
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Quantas pessoas estão infetadas, quantas já recupe(...)
As diferenças são evidentes também no trabalho que esta médica desenvolve no Hospital de Linköping, cidade a meio caminho entre Estocolmo e Gotemburgo. “Portugal aposta mais nos cuidados intensivos, onde coloca pessoas com mais idade. Aqui são muito restritivos. São mais as pessoas novas e saudáveis”, que são internadas nas unidades de cuidados intensivos.
“Por isso, os serviços não estão tão sobrecarregados. No meu hospital criaram uma enfermaria que funciona como cuidados paliativos. Quem não pode ir para casa e quem não vai para cuidados intensivos e está mal, vai para aquela enfermaria.”
Lisa discorda da estratégia seguida pelo Governo sueco e diz que, o facto “de as ruas estarem cheias de gente, tal como os cafés e esplanadas”, prova que “as recomendações, por si só, não funcionam e que eram precisas medidas mais restritivas”.
No mesmo sentido a opinião de um outro médico português a trabalhar na Suécia. Jorge Azevedo está há seis anos no país. Como ortopedista tem tido menos consultas, mas recentemente optou por levar uma máscara para consultar um doente no Hospital Universitário de Linköping.
O caso chegou ao responsável do departamento de contenção de surtos, que pediu “encarecidamente para que não voltasse a usar máscara, porque transmitia uma mensagem de insegurança para os outros profissionais de saúde”.
Este médico português explica que na recomendação “estava subjacente que não havia máscaras para todos”, o que se explica pelo facto de a Suécia “ter sido apanhada de surpresa e não tem material suficiente para responder à quantidade de pessoas que recorre aos serviços de saúde”.
Jorge Azevedo explica que, “no início, os suecos, não levaram isto a sério, mas com o aumento de casos e de vítimas mortais, o Governo já admitiu tomar medidas mais sérias”. Os suecos estão, agora “mais sensibilizados” e “ficam mais em casa”, mas “as lojas estão abertas e há aglomeração de pessoas, como se não se passasse nada”.
Mas nem todos os portugueses que residem na Suécia criticam a estratégia seguida pelas autoridades de saúde. A microbióloga Luísa Lundin está há 26 anos no país e lembra que “estamos todos a jogar xadrez com a morte” e que “todas as medidas decididas pelos países, têm de ser adaptadas às condições geográficas, demográficas e culturais” de cada uma das nações.
“Os suecos são um povo que tem muita confiança nas autoridades. E a palavra sueca ‘recomendar’ tem muita força e, embora não exista uma lei, as pessoas que eu conheço, portugueses e suecos da minha família, estão em isolamento voluntário”, explica.
“Sou microbióloga de base. Ter à minha volta um mundo invisível de micróbios não é um conceito novo para mim, mas entendo que para algumas pessoas isto possa ser uma realidade muito assustadora. Então, acho que para justificarem esse medo que estão a sentir, vão procurar estatísticas e dados e procurar dizer que as autoridades não estão a proteger o povo de uma forma correta, e que deviam fechar tudo. Mas eu não concordo”, explica esta portuguesa, que sublinha que “as pessoas que estão encarregadas de enfrentar este problema, são pessoas que estiveram na linha da frente do combate à epidemia de Ébola no Zaire em 1995. Foram as pessoas que controlaram e acabaram com essa epidemia e são pessoas que cientificamente são muito sólidas”.