05 jun, 2020 - 01:18 • Redação
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A revista médica “The Lancet” retratou-se, esta quinta-feira, da publicação do estudo sobre a hidroxicloroquina que apontava risco de morte e arritmia cardíaca em pacientes infetados com Covid-19.
A publicação, que é uma das mais reconhecidas a nível mundial na área da Medicina, reconhece, numa nota publicada no site, que os autores do estudo “foram incapazes de levar a cabo uma auditoria independente dos dados que sustentam a sua análise”.
Três dos autores admitiram erros na investigação e retrataram-se também, pressionados pela comunidade científica e por uma investigação do “The Guardian”, que levantava suspeitas sobre a empresa americana – Surgisphere – e sobre os seus funcionários, que terão “pouco ou nenhum conhecimento científico ou de dados” e que incluem “um escritor de ficção científica e um modelo de conteúdo para adultos”.
“Eles não podem assegurar a veracidade das fontes de dados primárias”, conclui a “The Lancet” na mesma nota, sugerindo ainda que “há muitas questões pendentes” por esclarecer sobre a própria Surgisphere e os dados que “supostamente foram incluídos neste estudo”.
O estudo motivou a suspensão de ensaios clínicos de hidroxicloroquina em todo o mundo. Mas esta quarta-feira deu-se o volte-face, com a OMS a anunciar que iria retomar os ensaios clínicos. Já a DGS mostrou-se cautelosa ao não recomendar ainda a utilização em doente de Covid-19 do medicamento usado também para combater a malária, embora informando que mantém a participação nos ensaios clínicos.
O trabalho, publicado a 22 de maio, baseava-se em dados de 96 mil pacientes hospitalizados entre dezembro e abril em 671 hospitais e comparava a condição dos doentes que receberam tratamento com esta substância com os que não receberam. Não é claro ainda como foram obtidos estes dados e como foi possível concluir um estudo desta dimensão no espaço de poucas semanas.
Os autores do estudo diziam “não ter conseguido confirmar o benefício da hidroxicloroquina ou da cloroquina” nos doentes analisados, apontando um acréscimo de efeitos adversos potencialmente graves, incluindo “um aumento da mortalidade”, durante a hospitalização de doentes com Covid-19.
Muitos investigadores expressaram dúvidas sobre o trabalho, entre os quais alguns cientistas céticos sobre o benefício da hidroxicloroquina em casos de Covid-19.
A hidroxicloroquina é um antiviral usado no tratamento da malária há 70 anos e em casos de artrite reumatoide e lúpus.
O medicamento já fez cair ministros e responsáveis da saúde que decidiram oferecer resistências à sua utilização. No Brasil, dois ex-ministros da Saúde saíram do Governo devido a divergências com Bolsonaro em relação à administração de cloroquina.
Nos Estados Unidos, o medicamento esteve no centro do caso que levou à demissão do diretor da agência de vacinação norte-americana. O presidente Donald Trump chegou mesmo a publicitar que decidiu tomar cloroquina preventivamente durante o surto de Covid-19.
Apesar de o estudo que sustentou um recuo a nível mundial na utilização do medicamento ter sido agora posto em causa, outros estudos continuam a apontar que a hidroxicloroquina pode não ser eficaz no combate ao novo coronavírus.
À Renascença o pneumologista Filipe Froes apontava, a 23 de abril, que "não se confirmaram as grandes expetativas" em relação à hidroxicloroquina.