11 jun, 2020 - 18:01 • Sofia Freitas Moreira com Redação e Agências
A plataforma de ‘streaming’ HBO Max retirou o filme “E Tudo o Vento Levou” do seu catálogo nos Estados Unidos, na quarta-feira, após a película de 1939 ter sido criticada durante anos por transmitir uma visão idílica da escravatura e perpetuar estereótipos racistas. Este é apenas um dos efeitos da onda de choque desencadeada pela morte do norte-americano George Floyd, às mãos da polícia de Minneapolis, que abre o debate entre herança histórica, património e combate ao racismo.
Num comunicado divulgado no mesmo dia, a WarnerMedia, detida pela AT&T e que opera a HBO Max, classifica “E tudo o vento levou” como “um produto do seu tempo” que retrata preconceitos raciais. A empresa explica que a retirada será temporária, para que seja incluída contextualização histórica ao clássico da sétima arte, de 1939.
“Estas representações racistas eram erradas naquela época e são erradas hoje, e achamos que manter este filme [disponível na plataforma] sem uma explicação e uma denúncia dessas representações seria irresponsável”, lê-se no comunicado, citado pela agência Associated Press.
Quando “E tudo o vento levou” regressar à HBO Max, irá incluir “contexto histórico e uma denúncia dessas mesmas representações, mas será apresentado tal como foi criado, porque fazer o contrário seria o mesmo que alegar que esses preconceitos nunca existiram”.
O período histórico no qual se desenvolve a ação é um capítulo ainda controverso na sociedade norte-americana, já que os Estados dos Sul queriam proclamar a independência, negando-se a abolir a escravatura.
Vencedor de oito Óscares, incluído o de Melhor Atriz Secundária para Hattie McDaniel (que se tornou na primeira mulher negra a ser nomeada e a ganhar uma estatueta dourada), “E tudo o vento levou” continua a ser o filme mais rentável de sempre, quando ajustado à inflação.
Quando a atriz Hattie McDaniel ganhou o Óscar pela interpretação de uma escrava, teve de sentar-se na cerimónia separada do restante elenco do filme, devido às leis de segregação racial.
Os protestos antirracismo, que começaram nos Estados Unidos da América, devido à morte do cidadão afro-americano George Floyd às mãos da polícia, e se espalharam por todo o mundo, forçaram as empresas de entretenimento a analisar produções atuais e passadas.
Na terça-feira, a norte-americana Paramount cancelou a série de realidade “Cops”, que acompanha patrulhas policiais, ao fim de 33 temporadas. Também a britânica BBC retirou da sua plataforma de ‘streaming’ episódios da série de humor “Little Britain”, que incluíam um personagem com ‘blackface’.
Estátuas colonialistas vandalizadas e derrubadas
Com as manifestações antirracistas a ganharem força em vários pontos do mundo, crescem também os pedidos para remover estátuas e monumentos associados ao racismo e à glorificação do passado colonialista e imperialista. Várias já foram vandalizadas ou derrubadas.
Nos Estados Unidos, uma estátua do navegador italiano Cristóvão Colombo foi derrubada e atirada a um lago, em Richmond, Virgínia. O incidente aconteceu na última terça-feira, no mesmo dia em que, em Boston, no estado de Massachusetts, uma estátua do mesmo explorador foi "decapitada".
Colombo, celebrado pelos seus feitos enquanto explorador, também foi colonizador, tendo sido responsável pela escravização e morte de populações indígenas.
Ações semelhantes já tinham acontecido no Reino Unido, no último domingo, quando uma estátua do comerciante de escravos do século XVII Edward Colston foi derrubada por manifestantes na cidade inglesa de Bristol.
Os manifestantes desta localidade no sudoeste de Inglaterra derrubaram este monumento de bronze, erguido em 1895 no centro da cidade, e levaram-no pelas ruas até ao porto.
A estátua de Edward Colston (1636-1721), um benfeitor da cidade que obteve a sua riqueza com o comércio e a exploração de escravos, já tinha sido objeto de controvérsia anteriormente, tendo um cidadão já pedido a sua remoção.
A remoção do monumento de Edward Colston despoletou movimentos semelhantes no país, nos dias que se seguiram.
Na última terça-feira, as autoridades retiraram do pedestal em frente a um museu de Londres uma estátua de um traficante de escravos do século XVIII.
A estátua de homenagem a Robert Milligan foi removida porque os responsáveis locais consideram que deixou de ser aceitável para a comunidade.
A representação do esclavagista estava instalada em frente ao Museu das Docas de Londres.
Também na terça-feira, uma estátua do rei dos belgas Leopoldo II, figura controversa do passado colonial da Bélgica, foi retirada de uma praça pública em Antuérpia (norte) e transportada para um museu local.
A retirada, noticiada pela agência AFP citando fontes do município, ocorre depois das manifestações que juntaram milhares de pessoas em várias cidades belgas contra o racismo e em homenagem a George Floyd.
Uma estátua do fundador do escutismo, Robert Baden-Powell, em Poole, no sul da Inglaterra, vai ser removida pela autarquia para evitar que seja alvo de militantes antirracistas, mas habitantes locais mobilizaram-se, esta quinta-feira, para protegê-la.
Um grupo de pessoas reuniu-se junto à estátua prometendo lutar pela permanência no porto da cidade porque está virado para a ilha de Brownsea Island, onde o movimento dos escuteiros começou, em 1907.
Os protestos antirracistas no Reino Unido e no resto do mundo foram desencadeados pela morte de George Floyd, um afro-americano de 46 anos, em 25 de maio, em Minneapolis (Minnesota), nos Estados Unidos, depois de um polícia branco lhe ter pressionado o pescoço com um joelho durante cerca de oito minutos numa operação de detenção, apesar de Floyd dizer que não conseguia respirar.
Desde a divulgação das imagens nas redes sociais, têm-se sucedido os protestos contra a violência policial e o racismo em dezenas de cidades norte-americanas, algumas das quais resultaram em confrontos e violência.