27 jul, 2020 - 13:24 • Marta Grosso com Lusa
As autoridades do Botsuana estão a equacionar a hipótese de a morte de centenas de elefantes nas últimas semanas ter sido provocada por um novo vírus ou veneno, anunciou o Governo.
Apesar de o executivo do Botsuana ainda desconhecer o que causou a morte destes animais, as autoridades já descartaram a caça furtiva e o antraz.
A investigação continua, com a ajuda de laboratórios na África do Sul, Zimbabué, Grã-Bretanha e Estados Unidos, e entre as possíveis causas avaliadas pelas autoridades estão o surgimento de um novo vírus e o envenenamento.
No início de julho, autoridades e organizações não-governamentais do Botsuana anunciaram a morte de centenas de elefantes na região turística do Delta do Okavango durante os últimos meses, suspeitando de uma doença misteriosa.
Na altura, o diretor de parques nacionais e vida selvagem do Botsuana, Cyril Taolo, confirmou a morte de pelo menos 275 elefantes, enquanto um relatório da organização não-governamental Elefantes Sem Fronteiras (EWB) apontava para a morte de 356 elefantes naquela região.
Embora não tenha havido qualquer indicação de carcaças frescas ou sinais de que a mortalidade se tenha espalhado para além da área inicial, a equipa distrital que se encontra no terreno vai continuar a monitorizar a situação, a remover o marfim das carcaças e a levá-lo para custódia segura, bem como a destruir as carcaças que se encontram perto das aldeias e das povoações humanas, segundo o secretário permanente em exercício do Ministério do Ambiente, Conservação dos Recursos Naturais e Turismo, Oduetse Koboto.
Os resultados das investigações deverão ser conhecidos esta semana.
O Laboratório Nacional Veterinário do Botsuana não conseguiu ainda estabelecer as causas de morte dos animais, após examinar 281 carcaças de elefantes encontradas na popular zona do Delta do Okavango, no norte do país.
“É um dos maiores desastres com impacto nos elefantes deste século e logo num dos principais destinos turísticos de África”, disse o diretor do grupo de conservação National Park Rescue, Mark Hiley.
Localizado entre a Zâmbia, Namíbia e África do Sul, o Botsuana alberga cerca de 130.000 elefantes em liberdade, um terço da sua população africana conhecida.
Há cerca de duas semanas, a National Geographic avançou com algumas hipóteses para a morte dos elefantes.
Lembrando que o Botsuana, “com cerca de 130.000 elefantes de savana, é uma das últimas fortalezas da espécie em África e onde a caça furtiva de marfim tem sido responsável por reduzir seu número”, o organismo lançou as seguintes considerações:
“Muito improvável”, dado que “as mortes começaram quando os poços de água ainda estavam cheios de água da chuva e a área em que vivem tem uma abundância de bosques”, refere Erik Verreynne, veterinário e consultor de vida selvagem no Botsuana.
As cianobactérias – algas verde-azuladas – podem ser mortais e muitos dos elefantes foram encontrados perto de poços de água ou lagoas. Mas os elefantes não costumam beber das bordas, onde as cianobactérias tendem a acumular-se. A única maneira de confirmar ou excluir as cianobactérias é testar as águas.
A morte súbita de elefantes após mostrar sintomas neurológicos – como andar em círculos, conforme relatado por testemunhas oculares – sugere que o envenenamento por antrax é uma possibilidade provável. A bactéria que causa esta doença infecciosa ocorre naturalmente no solo e é conhecida por afetar animais domésticos e selvagens em todo o mundo.
O veterinário sul-africano Michael Kock, que trabalhou nos casos de antrax de elefantes nesta região para o governo do Botswana na década de 1990, diz que os cientistas precisariam coletar amostras de sangue dos animais idealmente poucas horas depois de morrerem. Sob o microscópio, os micróbios de antraz têm uma forma distinta, diz Kock, mas quando um corpo começa a decair, outras bactérias invadem, o que torna a identificação extremamente desafiadora.
Se a culpa for do antrax, será um problema difícil de solucionar e é necessário queimar as carcaças o mais rápido possível (o que implica toneladas de madeira).
Dado que as mortes têm ocorrido em uma região tão remota, com poucas estradas, chegar a todas as carcaças seria outro desafio.
Quanto à vacina existente, é pouco realista administra-la a 18.000 elefantes, diz Kock.
As pessoas que vivem perto de elefantes por vezes envenenam-nos em retaliação por comerem as colheitas? Tipicamente, usam cianeto, que permanece nas carcaças por muito tempo após a morte. Mas não há evidências de que os animais que comem os corpos dos elefantes mortos – hienas, chacais, abutres – também estejam a morrer.
Outros venenos, como o fluoroacetato de sódio, que às vezes é usado como pesticida e se decompõe mais rapidamente, já podem ser suspeitos. Para verificar essa hipótese, os cientistas precisariam de examinar o fígado das vítimas.
A morte súbita precedida por sintomas neurológicos seria consistente com esse vírus transmitido por roedores, que causa insuficiência cardíaca. O vírus é excretado nas fezes dos roedores e os elefantes correm o risco de comer relva contaminada.
Mais de 60 elefantes no Parque Nacional Kruger morreram assim no início dos anos 90. Isso aconteceu durante o primeiro ano chuvoso depois uma seca severa – condições semelhantes às atuais no Botsuana – quando a população de roedores ao redor do famoso parque da África do Sul explodiu, explica Roy Bengis, que era chefe dos serviços veterinários estaduais em Kruger na época.
No entanto, não há relatos de um número extraordinariamente grande de roedores nas áreas onde os elefantes do Botsuana morreram.
Bactérias e vírus que antes não eram fatais para espécies específicas podem evoluir para se tornar “assassinos”, como foi o caso do novo coronavírus SARS-CoV-2.
Muitos coronavírus ocorrem em animais, mas não há evidências de que a Covid-19 esteja por trás dessas mortes de elefantes ou que ocorra mesmo em elefantes, afirma Kock.
Mudanças súbitas ou extremas no clima, na paisagem ou nos hospedeiros de micróbios podem desencadear mudanças em bactérias ou vírus, tornando-os mortais. "Temos que manter a mente aberta", diz o veterinário Verreynne.
Múltiplos fatores, incluindo as mudanças climáticas, podem contribuir para essas mortes. "A doença é frequentemente um indicador de um problema subjacente", refere o especialista, acrescentando que desvendar o que está a matar os elefantes do Botsuana "pode ajudar na avaliação da saúde do ecossistema".
Nesta área remota do país, o corpo de um elefante pode demorar a ser encontrado e, portanto, analisado, o que dificulta a investigação.