12 ago, 2020 - 16:20 • Olímpia Mairos
Um grupo de astrónomos, com a ajuda do rádio-observatório Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), detetou uma galáxia muito distante, e consequentemente muito jovem, bastante parecida com a nossa Via Láctea.
De acordo com os investigadores, a galáxia encontra-se tão afastada da Terra que a sua luz demorou mais de 12 mil milhões de anos a chegar até nós.
Neste estudo, os astrónomos observaram a galáxia tal como era quando o Universo tinha apenas 1,4 mil milhões de anos e ficaram surpreendidos por se mostrar “pouco caótica, o que contradiz as teorias que apontam para que todas as galáxias no Universo primordial sejam turbulentas e instáveis”.
A descoberta, que os investigadores dizem ser inesperada, desafia a compreensão de como é que as galáxias se formam, dando pistas sobre o passado do nosso Universo.
“Este resultado constitui um enorme avanço na área da formação de galáxias, mostrando que as estruturas que observamos em galáxias espirais próximas e na nossa própria Via Láctea já existiam há 12 mil milhões de anos atrás,” conta Francesca Rizzo, estudante de doutoramento no Instituto Max Planck de Astrofísica, Alemanha, e líder deste trabalho de investigação, publicado esta quarta-feira na revista "Nature".
A galáxia que os astrónomos estudaram (SPT0418-47), apesar de não apresentar braços em espiral, possui, no entanto, pelo menos duas estruturas típicas da nossa Via Láctea: um disco em rotação e um bojo, um enorme grupo de estrelas aglomeradas de forma muito compacta em torno do centro galáctico.
Trata-se da primeira vez que um bojo é visto tão cedo na história do Universo, fazendo da SPT0418-47 a galáxia semelhante à Via Láctea mais distante observada até à data.
Para o co-autor do estudo, Fillippo Fraternali, do Instituto Astronómico Kapteyn da Universidade de Groningen, Holanda, “a grande surpresa foi descobrir que esta galáxia é de facto muito semelhante a galáxias próximas, contrariamente a todas as expectativas baseadas em modelos e observações anteriores menos detalhadas”.
No Universo primordial, as galáxias jovens estão ainda no processo de formação, por isso, os investigadores esperavam que se mostrassem caóticas e sem estruturas distintas típicas de galáxias mais maduras como a Via Láctea.
“É fundamental estudar galáxias distantes como a SPT0418-47, para compreendermos como é que as galáxias se formam e evoluem. Esta galáxia encontra-se tão afastada de nós que a observamos quando o Universo tinha apenas 10% da sua idade atual, ou seja, a sua luz demorou 12 mil milhões de anos a chegar à Terra. Ao estudar este objeto, estamos a olhar para trás no tempo, para uma época em que estas galáxias bebés começavam a desenvolver-se”, realçam os investigadores.
A equipa de investigadores reconstruiu a verdadeira forma da galáxia longínqua e o movimento do seu gás a partir dos dados ALMA, usando uma nova técnica de modelo de computador.
“Quando vi pela primeira vez a imagem reconstruída da SPT0418-47, quase não podia acreditar: era como uma arca do tesouro a abrir-se,” conta Francesca Rizzo.
Animação mostra como a luz de uma galáxia distante, como a SPT0418-47, é distorcida pelos efeitos gravitacionais de uma galáxia em primeiro plano, como a Via Láctea. Fonte: "SciTech Daily"
Simona Vegetti, outra co-autora do estudo, também do Instituto Max Planck de Astrofísica, assinala que o que descobriram “foi bastante intrigante".
"Apesar de estar a formar estrelas a uma taxa elevada e, consequentemente, ser um local de processos altamente energéticos, a SPT0418-47 é a galáxia de disco mais bem ordenada que alguma vez observámos no Universo primordial”, indica Vegetti. “Este resultado é bastante inesperado e tem implicações importantes na forma como pensamos que as galáxias evoluem.”
Os astrónomos referem ainda que, apesar de a SPT0418-47 ter um disco e outras estruturas semelhantes às galáxias espirais que vemos atualmente, esta galáxia evoluirá muito provavelmente para uma galáxia muito diferente da Via Láctea, juntando-se à classe das galáxias elípticas, outro tipo de galáxias que, juntamente com as espirais, existe no Universo atual.
“Esta descoberta inesperada sugere que o Universo primordial pode não ser tão caótico como se pensava, levantando muitas questões sobre como é que uma galáxia tão bem ordenada se pode ter formado tão cedo após o Big Bang”, assinalam os investigadores.
A descoberta do ALMA surge no seguimento de uma descoberta anterior, anunciada em maio, de um disco massivo em rotação, observado a uma distância semelhante.
A equipa de astrónomos vai agora prosseguir os estudos, incluindo com o Extremely Large Telescope do ESO, para tentar descobrir “quão típicas são estas galáxias de disco 'bebés' e se são normalmente menos caóticas do que o previsto, o que abrirá novos caminhos que permitirão descobrir como é que as galáxias evoluem”.