03 set, 2020 - 08:36 • Guilherme Correia da Silva, na Alemanha
Há cinco anos, na noite de 4 para 5 de setembro, a chanceler alemã abriu um novo capítulo na história da Alemanha. Angela Merkel decidiu acolher, por motivos humanitários, centenas de milhares de refugiados bloqueados na Hungria.
"Wir schaffen das" ("nós vamos conseguir") foram as três palavras ditas durante uma conferência de imprensa, em 31 de agosto de 2015, que sinalizaram a abertura da Alemanha para receber esses refugiados.
Dias mais tarde, naquela noite, o país abriu as portas às muitas pessoas que ficaram bloqueadas na Hungria depois de atravessarem o Mediterrâneo e os Balcãs. Centenas de milhares de refugiados puseram-se a caminho da Alemanha, sobretudo vindos da Síria, do Afeganistão e do Iraque. Calcorrearam campos e estradas, alguns de muletas, e pernoitavam na rua ou em tendas improvisadas.
Susana, uma jovem portuguesa a viver na Alemanha, lembra-se bem daquelas palavras de Merkel e da emergência humanitária de 2015. Ela ajudava refugiados num centro de acolhimento em Gießen, no centro do país.
"Nós tínhamos infraestruturas criadas para cerca de 2.000 pessoas e, em 2015, tivemos o campo com cerca de seis mil", afirma Susana à Renascença.
"Quando Angela Merkel fez aquele convite aberto, na televisão, a pensar nos sírios que estavam a passar por uma guerra, houve muita gente que veio e destruiu os próprios documentos, sendo da Argélia, de Marrocos ou de outros países árabes, porque queriam tentar a sua sorte. Havia muita expetativa em relação à Alemanha; que, vindo para cá, lhes dariam tudo".
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2015 foi um ano "louco", resume Susana, também em termos pessoais. Foi nesse ano que conheceu o marido – um jovem sírio, de Aleppo, que atravessou o Mediterrâneo de barco até à Grécia e também passou pelas Balcãs, pela Hungria e pela Áustria até chegar à Alemanha, e ao campo onde Susana trabalhava. Como tinha estudado tradução inglês-árabe, começou logo a ajudar.
“Ele chegou sem nada. Perdeu a mala pelo caminho e chegou com a roupa que tinha no corpo, o telemóvel no bolso e pouco mais. O engraçado foi que todos os dias aparecia impecável para trabalhar. Sempre com a mesma roupa, mas que lavava durante a noite, estendia, e no outro dia já estava impecável, prontíssimo para trabalhar”, conta.
Mohammad teve de esperar 22 dias até receber roupa nova. Havia muita gente, esperava-se muito, as instituições estavam sobrecarregadas com pedidos.
Foram dias complicados, conta Alaa. Quando a jovem síria chegou à Alemanha, em 2015, acompanhada da mãe, teve de partilhar o quarto com pessoas que não conhecia.
"Era tudo novo. Não sabíamos como seria o futuro. Pela minha cabeça passava sempre a mesma pergunta: como é que vou conseguir?", recorda.
Alaa diz que veio para a Alemanha por ver nas notícias como o país estava a acolher tantas pessoas. Aprender a língua alemã foi uma das coisas mais difíceis, conta a jovem de 21 anos.
A correspondência que recebia das autoridades alemãs (a "Papierkram", "papelada", como diz a sorrir) também era uma complicação. "Mas, se conheces alguém e pedes para explicarem, até é fácil, e vamos aprendendo também."
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Cinco anos depois de chegar, Alaa concluiu o secundário e estuda Ciências Sociais com foco em Relações Interculturais.
"Espero que corra tudo bem com a minha licenciatura e mais tarde possa ajudar, como as pessoas aqui me ajudaram."
Como ela, muitos outros refugiados aprenderam alemão e estão agora na escola ou entraram na universidade. Estima-se também que mais de metade dos refugiados em idade ativa conseguiu emprego nos primeiros cinco anos (embora a pandemia tenha vindo complicar as coisas).
Em geral, é uma história de sucesso, afirma Karl Kopp, da organização alemã de direitos humanos Pro Asyl. No entanto, há também um reverso da medalha a partir de outubro de 2015, "com o endurecimento da legislação na Alemanha e na Europa", acrescenta Kopp.
"Uma parte importante da política de 'desintegração' é, por exemplo, a reunificação familiar, cada vez mais dificultada", diz o ativista.
"Este retrocesso levou igualmente a desenvolvimentos dramáticos, com a implementação do acordo com a Turquia, com efeitos desastrosos. Dezenas de milhares de pessoas são detidas em campos miseráveis nas ilhas gregas. Outro aspeto deste retrocesso é a sórdida cooperação com a Líbia, usando dinheiro e conhecimento europeus para armar senhores da guerra que arrastam os refugiados para campos de tortura no país."
Em 2015, a decisão de acolher centenas de milhares de refugiados dividiu a Alemanha. A chanceler Angela Merkel foi elogiada, mas também bastante criticada por aquelas três palavras que pronunciou a 31 de agosto – “wir schaffen das” – e por mandar abrir as portas aos migrantes.
Nas eleições legislativas que se seguiram, em 2017, o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) entrou pela primeira vez para o Parlamento federal com uma clara agenda anti-imigração.
Susana lamenta as críticas aos refugiados. "Acho que as pessoas que vieram trouxeram uma mais-valia à Alemanha, até porque o país estava a precisar de pessoas para trabalhar, para suportar este sistema social já envelhecido."
O marido de Susana tem, entretanto, dois empregos – ou seja, como frisa a jovem portuguesa, já está a contribuir para o país e a apoiar a família enquanto ela faz uma pausa no trabalho, depois de ter engravidado.
"É muito difícil imaginar o que é ir para um país estrangeiro e tentar construir tudo do zero. Ir só com a roupa que se tem no corpo. Eu, hoje em dia, dou graças a Deus pelo marido que tenho e estou muito orgulhosa dele."