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Postal de Quarentena - Dublin

“A Covid-19 ajudou a Irlanda a reencontrar a sua alma”

23 jul, 2020 - 06:30 • Johanna Moore*

A Irlanda teve mais de 25 mil casos do novo coronavírus desde o início de março e mais de 1.750 mortes, para uma população de perto de cinco milhões de pessoas. Neste postal uma irlandesa descreve a situação, que se recusa a aceitar como “normal”.

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A Irlanda entrou em “lockdown” no dia 12 de março, quando o número de caso ainda era baixo. Inicialmente era suposto ser de apenas três semanas, mas percebemos rapidamente que ia ser muito mais longo do que isso.

O país uniu-se e parecia que toda a gente estava a fazer o seu melhor para obedecer às regras. A violações eram escassas. A tão importante taxa “R” caiu rapidamente e parecia que estávamos a conseguir controlar a situação. Os hospitais conseguiram lidar e as Unidades de Cuidados Intensivos nunca foram sobrecarregadas. A secção que sofreu mais foi a dos lares de terceira idade. Mal o vírus entrava num lar parecia espalhar-se como o fogo e ninguém era capaz de o travar. Umas 62% das mortes associadas à Covid-19 foram em lares. Parecia que não eramos capazes de tomar conta dos nossos idosos mais vulneráveis.

A minha mãe morreu no passado mês de setembro, aos 89 anos, de forma pacífica, na sua própria cama, rodeada de filhos e netos. Todos nos pudemos despedir e estavam muitos amigos nossos, e dela, no enterro. Depois todos voltaram para nossa casa para um tradicional velório irlandês – horas de histórias, risos e memórias de uma vida tão bem vivida. A forma calma como ela morreu e o apoio dos seus amigos no funeral ajudou-nos a todos a lidar com o sofrimento da perda. Mas a experiência foi muito diferente para os nossos quatro amigos que perderam pais por causa deste terrível vírus. Em três dessas ocasiões, o cônjuge nunca se pôde despedir. A dor causada por não se poder dizer adeus ao parceiro de mais de sessenta anos é inimaginável. Os funerais foram limitados a 10 pessoas, por isso só algumas famílias é que puderam participar. Mesmo aí, havia o distanciamento social a observar, por isso não havia abraços nem conforto físico. O trauma de toda a perda foi multiplicado e as cicatrizes vão levar muito tempo a sarar. Sem dúvida que a saúde mental dos sobreviventes foi duramente afetada. A Covid-19 danificou muitas mais pessoas do que apenas aquelas a quem matou.

Temos de admitir que não fomos capazes de cuidar dos nossos idosos, mas pelo menos podemo-nos confortar um pouco com o espírito de comunidade que se formou. Foram montadas linhas de apoio nos clubes desportivos locais. Quem estivesse em confinamento, ou simplesmente não pudesse sair de casa para ir às compras podia ligar para estes clubes e eles enviavam os seus sócios jovens, saudáveis e em forma para tratar do assunto. Há histórias infindáveis de atos aleatórios de bondade. Era como se a Irlanda tivesse reencontrado a sua alma.

A primeira fase de desconfinamento teve lugar a 29 de junho e as pessoas puderam voltar a sair em pequenos números. Agora é obrigatório usar máscara nas lojas e nos transportes públicos. A maioria das pessoas está a cumprir. Temos alguns objetores, mas são poucos e estão nas franjas. A segunda fase era suposta começar no dia 20 de julho, mas foi adiada porque o número de novos casos começou a subir, bem como a tal taxa “R”. Só podemos esperar que não seja preciso voltar ao “lockdown”.

As pessoas referem-se ao “novo normal”, mas de normal não tem nada, é totalmente bizarro. Se tudo correr bem, em breve haverá uma vacina e poderei voltar a ver as minhas três filhas a viver as suas vidas como deve ser – vidas de liberdade e aventuras e não de máscaras e desinfetante. Mas espero ainda que quando voltarmos ao normal – e recuso-me a contemplar sequer outra opção – o mundo possa manter algum deste lado mais simpático e atencioso que se desenvolveu durante o tempo de crise.


*Johanna Moore nasceu e viveu a vida toda na Irlanda. Atualmente vive em Dublin, onde trabalha como agente imobiliária. É casada e mãe de três filhas adolescentes.

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