04 ago, 2020 - 06:10 • Anónima*
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O Irão foi logo um dos primeiros países para além da China a ser atingido em força pela pandemia. O primeiro caso confirmado foi em Qom, em meados de fevereiro, e desde aí não conseguimos ultrapassar o problema.
Os iranianos têm uma forma muito particular de lidar com estas situações, que é esquecer que os problemas existem.
Com a Covid, por exemplo, primeiro tiveram medo, mas depois de algum tempo tentam esquecer-se do assunto, porque não conseguem viver sem estar em comunidade, sentem a obrigação de visitar a família pelo menos uma vez por semana.
Sem estes convívios familiares ficam de tal maneira deprimidos que ao fim de dois ou três meses tentam regressar à vida normal. Esta situação causou muitos problemas, como por exemplo o aumento do número de infetados e agora está tudo mais perigoso para todos.
Por causa da crise económica as pessoas já não podem estar em casa, porque precisam de trabalhar. Voltaram à sua vida normal e a maioria nem usa máscara.
Felizmente nem eu nem a minha família fomos infetados pelo vírus, pelo menos por enquanto, mas a nível profissional tenho sido afetada. Eu trabalho numa loja de artesanato e dependemos muito do turismo, mas há quase seis meses que não recebemos cá turistas. Em cima de tudo isto temos as sanções económicas internacionais, que tornam a nossa situação económica pior que a de outros países.
Como se sabe, o Irão é um país muito religioso. O Governo é religioso e o povo também. O resultado é que o Governo tem tentado resolver este problema com a religião. Inicialmente mandaram fechar as mesquitas, mas depois de algum tempo voltaram a abri-las e querem até permitir a celebração do Muharram, uma das grandes datas do Islão xiita, em que os homens se autoflagelam e cortam com navalhas para expressar o seu pesar pela morte de Ali, o nosso primeiro Imã, na batalha de Karbala.
Se isto avançar vai causar muitos problemas, porque haverá muitas multidões.
Ao longo da história os governos religiosos sempre tentaram usar a religião para cobrir os seus erros, e no Irão não podemos criticar abertamente o Governo, porque é considerado sagrado. Mas a verdade é que por causa da sua própria incapacidade, e por falta de dinheiro, o Governo não está a conseguir responder a esta situação e se isto continuar assim penso mesmo que o sistema pode colapsar.
O problema é que numa ditadura, quando o regime começa a sentir medo recorre mais à violência e fecha-se mais sobre si mesmo, e é a isso que estamos a assistir.
Isfahan, onde moro e trabalho, é atualmente a terceira maior cidade do Irão mas é uma das mais bonitas cidades do mundo. Já foi duas vezes capital do Império Persa e todo esse património histórico sobrevive ainda. Sobreviveu aos séculos, à queda do império, à queda do Xá e sobreviverá a este regime e à Covid-19.
*A autora deste postal pediu para não ser identificada.